sexta-feira, 23 de maio de 2014


Escrito por Hélio Angotti Neto | 22 Maio 2014

Artigos - Cultura



O aborto pode ser chamado de infanticídio porque tanto o feto quanto o bebê recém-nascido não são pessoas.[1]

Se você é um médico ginecologista e não quer fazer abortamentos, é como um policial que não usa armas, e deve parar de exercer sua profissão.[2]

Num serviço público, de acordo com a norma técnica, o médico responsável é obrigado a fornecer o abortamento.[3]





Há uma guerra cultural pelo coração do Ocidente.[4] E, puxados para o centro dessa guerra, estão conceitos cardinais à vida humana e à forma como as pessoas enxergam o mundo e a si mesmas. Tais conceitos e formas de enxergar o mundo são tratados diretamente pela medicina e pelas profissões que lidam com a vida, a morte e o sofrimento humano, daí a importância das práticas de saúde neste cenário belicoso de nossos dias.


A medicina, obviamente, está no olho do furacão, justamente pelo fato de que ela pode ser instrumentalizada para outros fins que não a saúde do ser humano. Uma das formas mais insidiosas e perigosas dessa instrumentalização, sem dúvida nenhuma, é por meio da engenharia social movida pela troca de palavras e de idéias.

Trocando-se palavras, por exemplo, trocam-se conceitos e formas de pensamento, como já avisava George Orwell em sua distópica obra “1984”. Alguns conceitos importantes são suprimidos e outros, de menor importância, são elevados à categoria de princípios de grande destaque. Isso acontece no dia a dia quando somos submetidos à propaganda ou a campanhas diversas, porém quando tais “termos manipulados” lidam diretamente com nossa vida e com os parâmetros pelos quais julgamos tudo o que nos cerca, estamos mexendo perigosamente com as fundações de nossa civilização.

Os exemplos no início deste texto ilustram bem um processo que poderia ser chamado de engenharia social das palavras.

O simples expediente de chamar uma coisa pelo nome de outra pode gerar alterações profundas na percepção e na prática da medicina e na sociedade como um todo. O exemplo aqui citado é o da troca da palavra “infanticídio” (ou assassinato de bebês, se preferir) pelo termo “aborto pós-nascimento”.

Uma breve análise dessa troca, utilizando as ferramentas, descritas de forma sintética por Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel Pedagogo [5], pode chocar pela obviedade de tal operação e pelos possíveis resultados, mesmo que não intencionados pelos autores de tal proposta.

A troca de nomes (infanticídio por aborto) foi proposta por membros da comunidade acadêmica, que discutem em círculo discreto há cerca de quarenta anos. Em suas discussões, recortes abstratos de conceitos importantes, amplos e, muitas vezes escorregadios, como o de “pessoa”, dão origem a uma série de conclusões que aos poucos ganham força e projeção em meios especializados.

Os fatos de que tais discussões são geradas e mantidas por autoridades acadêmicas, e que tais autoridades circulam em meio à comunidade de estudantes e pesquisadores com grande destaque, já bastam para que haja um forte contexto de convencimento acerca de sua razoabilidade. Adicione isto a um periódico bem qualificado internacionalmente - onde autores se esforçam para publicar e ganhar notoriedade científica - e o palco está armado.

Juntando isso ao eufemismo proposto, completa-se um importante conjunto de atividades com alto potencial de mudança social. O eufemismo de um ato extremamente repudiado pelas pessoas comunsconfigura ao mesmo tempo dois recursos psicológicos básicos na arte de convencer. Chamar uma coisa grotesca como matar um bebê por um nome de algo menos repudiado, como um abortamento, pode ser considerado um recurso do tipo “pé-na-porta”, onde o ouvinte corre o risco de aceitar 12 escutando meia dúzia. Por outro lado, o mero fato de se discutir infanticídio como algo racional já pode induzir o efeito “porta-na-cara”, no qual um repúdio imediato pode dessensibilizar aqueles menos perceptivos e gerar uma maior aceitação de atos aparentemente menos grotescos como o de abortar um feto.

Tudo isso ao lado de medidas governamentais - obrigando médicos a realizar o abortamento - pode levar inevitavelmente ao que se chama de dissonância cognitiva, onde há uma mudança de pensamento e de valores após realizar um ato do qual se discordava previamente, mudança esta causada pela racionalização e introjeção do comportamento realizado. O comportamento alterado pode ser simples como chamar uma coisa por outro nome, e complexo como executar um ato cirúrgico imoral.

Falar contra essa impostura psicológica e intelectual é tido por muitos como “fundamentalismo[6]”, mas há que se falar na “intolerância dos tolerantes”, que proíbem ao médico realizar uma simples, e essencial, objeção de consciência!

Resumindo: junte a Submissão à Autoridade, o Conformismo Grupal, o Pé-na-Porta, o Porta-na-Cara, a Dissonância Cognitiva, a Imposição Governamental e o reforço de tudo isso por “formadores de opinião”, e você obterá um forte elemento de guerra cultural em ação.

Quando os autores do artigo que propunha a troca do termo "infanticídio" por "abortamento pós-nascimento" foram respondidos por centenas de protestos e mensagens de repúdio, muitas vezes com alto teor de agressividade, o estrago já estava feito. Eles, de certa forma, se desculparam dizendo que tudo não passa de um debate de idéias. Mas quantos crimes horrendos e democídios não começaram com simples debates de idéia?

Em uma carta aberta na qual Giubilini e Minerva declaram-se surpresos pela ojeriza coletiva, e afirmam que “ninguém deveria ser hostilizado por um artigo acadêmico num tema controverso”, uma resposta muito óbvia é dada por um leitor: “Suponhamos que vocês argumentem acerca da morte de uma minoria étnica numa sociedade acometida pelo racismo, vocês esperariam aplausos?” [7] Outro ponto é a percepção direta e clara da postura hostil ao se defender a ausência de status moral de fetos e crianças, mesmo que tal defesa seja executada sob o manto de uma linguagem acadêmica.

O leite está derramado e incontáveis atos de manipulação semântica chegam aos nossos ouvidos a cada dia, trocando valores, camuflando intenções e propondo novas cosmovisões. O mínimo que se pode fazer é permitir um espaço para uma verdadeira altercação intelectual, onde tais venenos sutis possam se transformar em poderosas vacinas, e onde propostas agressivas com palavras suaves possam ser respondidas de forma clara e direta.

Com satisfação, encontro alguns desses espaços em atividade. Um exemplo é o próprio portal Mídia sem Máscara. Outro espaço para o debate franco e aberto de idéias e o oferecimento de um contraponto verdadeiro é a Vide Editorial, onde o esforço pessoal de responder a tais manipulações semânticas materializou-se no livro “A Morte da Medicina” [8]. Por fim, uma resposta acadêmica foi publicada recentemente [9].

Na sequência deste artigo, tratarei de outros elementos abordados de forma mais minuciosa no livro “Morte da Medicina” e expandirei a análise em outros temas contemporâneos da Bioética.


Notas:

[1] Cf. GIUBILINI A, MINERVA F. After-birth abortion: why should the Baby live? J Med Ethics 2013; 39:261-263.

[2] Cf. VATTIMO G. Nihilism and Emancipation. New York: Columbia University Press, 2004. SAVULESCU J. ConscientiousObjection in Medicine. Brittish Medical Journal 2006; 332: 294-7.

[3] PENITENTE LS. Aspectos Jurídicos, Sociais e Éticos do Aborto. Mirabilia Medicinae 2013; 1: 13-24. PENITENTE LS et. al. Debate sobre o Abortamento Voluntário. Mirabilia Medicinae 2013; 1: 25-39.

[4]Países que nasceram com a junção da filosofia grega, do direito romano e da religião judaica sob a ascensão do Cristianismo.

[5] BERNARDIN P. Maquiavel Pedagogo. Campinas (SP): Vide Editorial, 2012.

[6] JURKEWICZ RS. A sscolha sobre o corpo. Publicado no Jornal “Le Monde Diplomatique Brasil em 03 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artiho.php?id=619>. Acessado em 19 mai. 2014.

[7]BRASSINGTON I. An Open Letter from Giubilini and Minerva. Journal of Medical Ethics Blog 2Mar 2012.

[8] Lançamento pela VIDE Editorial previsto para20 de Junho de 2014.

[9] ANGOTTI-NETO H. Abordagem crítica filosófica, científica e pragmática ao abortamento pós-nascimento. Revista Bioética 2014; 22(1): 57-65.



Hélio Angotti Neto é médico oftalmologista com graduação pela Universidade Federal do Espírito Santo e residência médica e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Coordena o curso de medicina do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC-ES) e é o diretor da seção especializada em humanidades médicas da revista Mirabilia. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC, do Center for Bioethics and Human Dignity, da Associação Brasileira de Educação Médica e do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho. Coordena o SEFAM (Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina).


Fonte: Mídia Sem Máscara

quarta-feira, 21 de maio de 2014

"True Detective" é uma série de TV sobre a investigação de assassinatos rituais satânicos executados por homens misteriosos. Ainda que a temporada tenha terminado de maneira bastante simples e direta, a pletora de símbolos e referências salpicados ao longo dos episódios enviou mensagens profundas sobre as forças que sutilmente influenciam a sociedade. Vamos examinar o significado mais profundo da primeira temporada de "True Detective".





Atenção: spoilers gigantescos pela frente!


Ocorrendo nos sertões pantanosos de Louisiana, True Detective prendeu a atenção do público com seus personagens interessantes e uma atmosfera sombria. Em seus oito episódios, a série acompanhou dois detetives ao descobrirem uma série de assassinatos ritualísticos dos quais os rumores dizem terem sido executados por homens ricos e poderosos. Enquanto, semana após semana, os fãs da série perseguiam os pequenos detalhes a fim de "desvendar o caso", a série terminou de modo bem simples: O assassino era um caipira vil, louco, estereotipado que foi identificado pelos detetives alguns episódios antes. Não houve, portanto, nenhuma reviravolta alucinante na história (i.e. um dos detetives estava por trás de tudo) ou alguma conspiração chocante de alto nível. E isso deixou muitos fãs um pouco decepcionados.

No entanto, revendo as referências, o simbolismo e o diálogo enigmático salpicado ao longo dos episódios, pode-se de fato perguntar por que alguns aspectos da história (i.e. a vida familiar de Marty Hart) foram tão amplamente trabalhados, enquanto não eram de nenhuma relevância para o resultado final da investigação. A série estava, por meio dessas tramas alternativas, tentando comunicar algo que ia além da investigação efetiva? Algo que engloba todos nós?

Apesar da conclusão simples e direta da história, há uma mensagem mais profunda comunicada ao longo da série: Que os assassinatos rituais não foram simplesmente o produto da mente de um solitário caipira louco – eles são o resultado de uma mentalidade profundamente arraigada, um ambiente tóxico que remonta a várias gerações e afeta todos os aspectos da sociedade. Este conceito pode ser resumido em uma palavra: "psicosfera" – uma palavra que o detetive Rustin Cohle usa no primeiro episódio. Através de uma variedade de símbolos e mensagens, True Detectives nos mostra como as obsessões doentias da elite escoam em última instância para as vidas cotidianas das massas.

Olhemos primeiro para a trama história.



A História

A série começa com a descoberta do cadáver de uma jovem mulher, montado em uma situação ritualística.


A mulher foi encontrada nua, amarrada, com punhaladas na barriga. Ela está usando uma "coroa de espinhos" e chifres na cabeça.


Em suas costas está tatuada uma espiral, o símbolo do grupo que comete os assassinatos.


As autoridades rapidamente concluem que é um assassinato ritualístico satânico. Rustin Cohle descreve o assassino como "meta-psicótico".


"É representação fantasiosa, ritual, fetichização, iconografia. Essa é a visão dele. O corpo dela é um mapa de amor parafílico – um acessório de luxúria física para fantasias e práticas proibidas pela sociedade."


Após a autópsia, os detetives descobrem que a vítima foi drogada, amarrada, abusada, torturada com uma faca, estrangulada e posta ao ar livre para o mundo ver. Em suma, descobre-se todos os sinais de mega-ritual de abuso ritual satânico (SRA – Satanic Ritual Abuse). Ao redor do corpo são triângulos estranhos feitos de gravetos.


Um reverendo conta aos detetives que estas coisas são "redes do diabo" e que são usadas ​​"para pegar o diabo antes que ele chegue muito perto".


O reverendo acrescenta que ele pensava que essas redes do diabo eram apenas "alguma coisa para as crianças fazer, mantê-las ocupados, contar-lhes histórias de por que eles estão amarrando gravetos". Enquanto o reverendo diz as palavras, a câmera dá um zoom em outro conjunto de gravetos amarrados.


Quando o reverendo fala sobre redes do diabo serem "histórias para manter as crianças ocupadas", a câmera foca em uma cruz feita de dois gravetos amarrados – sugerindo que a religião pode ser "histórias para crianças". Também prediz a ligação entre as redes do diabo e os líderes da Igreja em Louisiana.



Rustin Cohle e a Psicosfera

Interpretado por Matthew McConaughey, Rustin Cohle classifica-se como um realista ou, em termos filosóficos, um "pessimista". O mínimo que se pode dizer é que ele tem pouca fé na humanidade e que ele não entende os construtos que a rodeiam – incluindo religião.


"Acho que a consciência humana é um passo trágico na evolução. Nós tornamo-nos muito auto-conscientes. A natureza criou um aspecto da natureza separado de si mesma. Somos criaturas que não deveriam existir pela lei natural."


Como um "pessimista" que odeia a humanidade em geral e texano trabalhando em Louisiana, Cohle é um eterno forasteiro. De fato ele tem uma tendência de ver o mundo a partir de fora, quase como se fosse uma figura de outro mundo. Para realçar este fato, Cohle parece ter um sexto sentido beirando a percepção extra-sensorial (ESP, extra-sensory perception) – que se manifesta  durante toda a investigação. Ele tem visões, ele "lê" pessoas em poucos segundos, e pode até mesmo "saborear" cores.

No primeiro episódio da série, Cohle diz a seu parceiro uma frase que resume a mensagem principal de toda a série. Ao dirigir pelas estradas de Louisiana, Cohle refere-se a um conceito obscuro que tem ecos profundos nas esferas ocultas.


"Dá um um gosto ruim na boca lá fora. Alumínio, cinza, como se pudesse sentir o cheiro da psicosfera".



Psicosfera

O termo psicosfera (psychosphere) não é um termo comum no idioma inglês. Originou-se na literatura de ficção científica de autores como Roland C. Wagner e H.P. Lovecraft – o criador dos Cthulhu Mythos.

A "psicosfera" pode ser definida como a "esfera da consciência humana" e toma suas raízes no conceito do "inconsciente coletivo" de Carl Jung. Basicamente afirma-se que todos os pensamentos que passam pelo cérebro humano são "convertidos" pelo neocórtex e projetados para fora em dimensões etéreas. Os seres humanos vivem, portanto, numa "atmosfera de pensamentos", um conceito que também é referido como "noosfera" por Vladimir Vernadsky e Teilhard de Chardin. Segundo eles, a existência dessa psicosfera faz com que os seres humanos sejam compelidos a responder a idéias, mitos e símbolos semelhantes.

Embora referido em outros termos, o conceito de psicosfera é importante nos círculos ocultistas que realizam mega-rituais para influenciar o "inconsciente coletivo" freqüentemente para fins nefastos.

Na década de 1940, o poeta e diretor de teatro francês Antonin Artaud previu o advento de mega-rituais de ocultismo na mídia. Artaud era um adepto de várias formas de ocultismo e muito ciente dos poderes transformadores dos rituais teatrais: ele criou o infame  "Teatro da Crueldade" (Theater of Cruelty), que pretendia mudar profundamente o público. Sobre o processamento da Mente Coletiva (Group Mind), Artaud escreveu:
"Além da bruxaria insignificante de feiticeiros interioranos, existem truques de hoodoo global dos quais todas as consciências alertadas participam periodicamente ... É assim que as forças estranhas são despertadas e transportadas para o plano astral, para o firmamento escuro que é composto, sobretudo, de ... a agressividade venenosa das mentes malignas da maioria das pessoas ... a opressão tentacular e formidável de um tipo de mágica urbana que em breve se mostrará sem disfarces."
Pesquisadores ocultistas têm muitas vezes identificado assassinatos ritualísticos como rituais de massa feitos para chocar as massas e perturbar a psicosfera.


"[Alguns assassinatossão assassinatos rituais envolvendo um culto protegido pelo governo dos EUA e pela mídia corporativa, com fortes laços com a polícia.

Tais assassinatos são realmente cerimônias intricadamente coreografadas; realizadas primeiramente em uma escala muito íntima e secretaentre os próprios iniciados, a fim de programá-los, em seguida, em grande escalaincalculavelmente amplificada pela mídia eletrônica.

No final, o que temos é um trabalho ritual altamente simbólico, transmitido para milhões de pessoas, uma inversão satânica; uma missa negraonde os 'bancos' são preenchidos por toda a nação e através da qual a humanidade é brutalizada e aviltada nestaa etapa 'Nigredo' do processo alquímico."



- Michael A. Hoffman II, Secret Societies and Psychological Warfare




É disso que, na verdade, se trata True Detective.

Rustin Cohle, que tem uma tendência para ESP, afirma que ele pode realmente "sentir o cheiro da psicosfera" e que tem um gosto "como o de alumínio e cinzas". Em outras palavras, a esfera do pensamento humano em torno da cena do crime não é nada menos do que tóxica e imunda. No entanto, sendo ele próprio parte da esfera humana, Cohle não pode evitar ser parte dela e, em certo nível, até abraçá-la.



Nas cenas do "dia atual" Cohle bebe latas de cerveja e fuma cigarros... alumínio e cinzas; Embora, 15 anos antes, Cohle sentisse nojo do gosto da psicosfera, agora essa psicosfera faz parte dele.



O primeiro assassinato ritual descoberto em True Detective foi propositadamente encenado para atrair a atenção das massas. Não só é uma manifestação física do psicosfera imunda, é também uma tentativa de afetar maciçamente a psicosfera. Esses mega-rituais são propositadamente encenados para chocar e traumatizar as massas, que, em seguida, enviam coletivamente esses pensamentos à psicosfera, criando o tipo de ambiente com o qual a elite do ocultismo se deleita.


Ao longo da série, uma imagem aparece em vários lugares e através de várias pessoas: Cinco homens em volta de uma menina. Esse "pentagrama de homens" representa a elite ocultista abusando de uma criança numa situação ritualística. Através da psicosfera, o mundo parece estar ciente disso, quase inconscientemente.




Os detetives encontram um vídeo de uma menina sendo abusada e sacrificada por cinco homens mascarados. O fato de que o ritual foi gravado representa a propensão da elite para criação de "material snuff".



Ao visitar a casa de uma mulher cuja filha desapareceu misteriosamente, Cohle percebe um retrato emoldurado de uma garota jovem cercada por cinco homens mascarados.


A filha de Martin Hart, Audrey, colocou cinco bonecos masculinos em volta de uma boneca nua. Mais tarde veremos como esse personagem está sutilmente ligado aos rituais.


Ao contar sua história para os agentes, Rustin Cohle estranhamente transforma cinco latas de cerveja em cinco pessoas pequenas e as coloca em um círculo. Será que ele está inconscientemente contando aos detetives que ele nunca pegou os verdadeiros culpados o pentagrama de homens?


Por meio de símbolos, a série nos diz que a psicosfera é perturbada por rituais da elite e que seus efeitos infiltram-se na realidade das massas. Todavia, estes efeitos não são apenas simbólicos: eles influenciam a moral, os valores e o comportamento da sociedade. Isto é representado pela evolução da família de Martin Hart.



Martin Hart e sua família

Interpretado por Woody Harrelson, Martin Hart é o extremo oposto de Rustin Cohle. Uma simples olhada nos nomes dos personagens dá uma boa idéia de suas mentalidades. O nome Rustin Cohle soa como "ferrugem e carvão" (rust and coal) – dois materiais associados à decadência e toxicidade – os quais representam a sua visão de mundo. Contrastando, o sobrenome de Martin Hart soa como "coração" (heart)  o órgão muscular que mantém as pessoas vivas. Longe de estar separado do mundo material como Cohle, Hart vive intensamente as provações e tribulações emocionais da experiência humana.

Como a maioria dos seres humanos, ele também é profundamente falho. Apesar de considerar-se um cristão, ele tem uma propensão ao adultério e violência.



É entretanto a evolução de sua família que é o mais revelador. Embora sua família não tenha nada a ver com a investigação principal, a série gasta uma grande quantidade de tempo descrevendo a sua evolução. Mais do que um simples "desenvolvimento de personagens", a família Hart representa como os cidadãos comuns são, no fim das contas, afetados pela psicosfera imunda e a depravação moral dos que os governam.


Apesar de a filha de Marty Audrey aparentemente não ter conhecimento ou contato com aqueles que conduzem os rituais, ela, não obstante, parece ser profundamente afetada por isso. Como visto acima, Marty encontrou a filha brincando com bonecos que parecem recriar o "pentagrama de homens". Mais tarde, seus pais encontram um livro cheio de desenhos perturbadores.



Um dos desenhos sexuais de Audrey mostra um homem mascarado tocando uma mulher que tem mãos amarradas atrás das costas.



Em outra cena, as meninas de Marty são vistas vestindo uma tiara com fitas que lembra a coroa de chifre satânica com fitas colocadas nas vítimas durante os rituais.



A tiara acaba em uma árvore, não muito diferente das vítimas dos rituais.


A psicosfera imunda parece afetar o comportamento de Audrey e até sua alma. O avô prediz o futuro dela ao falar com Marty sobre "as crianças de hoje".



"Tenho visto as crianças de hoje. Todas de preto, maquiagem nos rostos. Tudo é sexo." 



Enquanto Marty basicamente descartou essas palavras como divagações de um velho, Audrey eventualmente cresce e se torna exatamente o que o seu avô disse.



Audrey vestida de preto, com maquiagem no rosto. Nesta cena, ela foi pega pelo pai fazendo sexo com dois caras em um caminhão, fazendo com que Marty a chamasse de "vagabunda".


A transformação de Audrey de uma menina inocente numa adolescente promíscua representa como a depravação e imoralidade da elite ocultista acaba afetando toda a população. Apesar de não ser vítima direta da elite ocultista, ela é uma vítima indireta por meio do ambiente imundo dentro do qual ela cresce. Mais tarde descobrimos que, já adulta, Audrey "às vezes se esquece de tomar suas pílulas", dando a entender que ela tem problemas mentais e que era indiretamente traumatizado por este contexto. Portanto, por diversos meios, a série mostra como a psicosfera é propositadamente alterada para criar uma geração que é moralmente perdida.

Agora vejamos o grupo secreto que está por trás disso tudo.



A espiral Representando a "vida real" da elite ocultista


À medida que a investigação avança, os detetives descobrem um grupo de "homens ricos" sacrificando crianças. Eles também estudam a mitologia em torno.


"Há um lugar ao sul onde todos esses homens ricos vão para adorar ao diaboEles sacrificam crianças e outros. Mulheres e crianças todas foram assassinadas lá e tem algo sobre um lugar chamado Carcosa e o Rei Amarelo. Ele disse que há tudo isto, tipo, pedras antigas na floresta onde as pessoas vão para, tipo, adoração. Ele disse que há tanta matança boa lá embaixo. A espiral – esse é o sinal deles."


Logo descobrimos quem está por trás desses rituais: A elite de Louisiana, membros de uma linhagem sanguínea antiga, a família Tuttle. Como texano, Cohle rapidamente descobre que um membro da família Tuttle é o governador e outro lidera a Igreja – englobando, portanto, as esferas de poder que são a política e a religião.



Ao descobrir que os rituais são basicamente um assunto de família, os detetives começam a construir a árvore da família Tuttle.



Depois que os detetives capturam o caipira enlouquecido, a câmera foca sinistramente numa árvore isolada – uma árvore que é vista diversas vezes ao longo da série. Com as raízes firmemente presas ao solo Louisiana, esta árvore representa a linhagem da família que governa a região.



Os detetives descobrem que os Tuttle são responsáveis ​​por um grande número de crianças desaparecidas que foram abusadas ​​e mortas em um sacrifício ritual. Como a família é extremamente poderosa, os que garantem a lei e a mídia local ficam completamente silenciosos. A família pratica seu próprio tipo de voodoo de Louisiana misturado com o clássico abuso ritual satânico (SRA), como praticado pela ocultista. Embora a área de ação da família seja muito local, não é preciso calcular muito para entender que os Tuttles representam a elite ocultista que atualmente governa o mundo inteiro.

 

O gosto da espiral por rituais satânicos, tortura, controle mental e abuso de crianças representa as obsessões mais tenebrosas da elite oculta. Mesmo o símbolo espiral da série é de fato usado por redes de homens sombrios da vida real para divulgar secretamente suas "preferências". Aqui está um arquivo do FBI descrevendo os símbolos usados ​​pelos "amantes de meninos". ("boy lovers")



Arquivo real do FBI descrevendo símbolos utilizados por redes de abuso infantil.



A espiral num crânio em Carcosa.



Em True Detective, os rituais da espiral estão encharcados de uma mitologia específica com forte inspiração na literatura de de ficção-científica/horror, particularmente a de H.P. Lovecraft.




A mitologia

Em True Detective, sacrifícios são feitos para o "Rei Amarelo", que é basicamente uma efígie de um deus cornudo e eles ocorrem em uma estrutura abandonada apelidada de Carcosa. A mitologia em torno da espiral toma emprestado muito da literatura de ficção científica, em particular O Rei de Amarelo (The King in Yellow), também conhecida como O Rei Amarelo (The Yellow King) de Robert W. Chamber, que menciona uma cidade perdida chamada Carcosa.



Ao longo da costa quebram ondas nebulosas,
Os sóis gêmeos mergulham sob o lago
As sombras se alongam
Em Carcosa.

Estranha é a noite onde se erguem negras estrelas
E luas alienígenas circulam os céus
Mas ainda mais estranha é a
Perdida Carcosa.

Canções que as Híades entoarão,
Onde tremulam os farrapos do Rei,
Devem morrer inauditas na
Obscura Carcosa.

Canção de minha alma, falece a minha voz;
Morre Tu também, muda, como lágrimas jamais vertidas
Secarão e morrerão na
Perdida Carcosa.

O termo Carcosa também foi usado por H.P. Lovecraft nos famosos Cthulhu Mythos. Por que tantas referências a H.P. Lovecraft na série? Seus trabalhos são muito reverenciados em vários círculos ocultistas e, considerando o fato de que a série é sobre assassinatos ritualísticos satânicos, faz sentido.




H.P. Lovecraft

Enquanto Cthulhu Mythos de H.P. Lovecraft  é geralmente considerada uma obra ateísta de ficção quase satírica sobre deuses alienígenas monstruosos), ela ganhou, no entanto, grande notoriedade com sociedades com uma visão de mundo mais metafísica. Por exemplo, o livro Os Rituais Satânicos de Anton LaVey inclui um capítulo intitulado "A Metafísica de Lovecraft".



Os Rituais Satânicos considera que Lovecraft é um canal de tipos para "poderes invisíveis": "Se suas fontes de inspiração eram reconhecidas conscientemente e admitidas ou eram uma notável absorção 'psíquica', só se pode especular." Os rituais consistem em evocar nomes dos Cthulhu Mythos, juntamente com o inevitável "Hail Satan", numa cerimônia falsa evocando a elaborada proclamação e resposta da comunidade da Missa Católica.

- Dennis P. Quinn, Cults of an Unwitting Oracle: The (Unintended) Religious Legacy of H. P. Lovecraft



Kenneth Grant, um ocultista que era um membro proeminente da sociedade secreta de Aleister Crowley Ordo Templi Orientis (OTO) escreveu extensivamente sobre a importância das obras de Lovecraft.


Segundo Grant, escrevendo em 1980, Lovecraft deve ser louvado por suas habilidades de "controlar a mente sonhadora que é capaz de projeção em outras dimensões." É sabido que muitas vezes Lovecraft obteve inspiração para suas histórias em seus sonhos. Para Grant, Lovecraft recebeu conhecimento arcano efetivo nos sonhos, que foi, então, expresso através dos Cthulhu Mythos. Grant inspirou muitos mágicos, alguns dos quais se deslocaram mais para o reino dos escritos de ficção de Lovecraft.

- Ibid.

 
As obras de Lovecraft são, portanto, altamente consideradas pelos grupos ocultistas ou satânicos que estão fortemente determinados a praticar rituais. Alguns símbolos associados a estas sociedades aparecem durante a série.


Reggie Ledoux, um dos culpados (está mais para bode expiatório) de executar rituais tem uma tatuagem de Baphomet dentro de um pentagrama invertidoo sigilo da Igreja de Satanás (Chuch of Satan).

 
Embora os detetives tenham capturado e matado Reggie Ledoux, acabaram por descobrir que as mortes ainda estão acontecendo. Mesmo no final da série, quando os detectives colocam as mãos em Errol Childress (o caipira louco estereotipado) há indícios que sugerem que ele não é o verdadeiro culpado ele é apenas um bode expiatório.



Errol Childress – Bode expiatório da elite

Ao investigar a família Tuttle, os detetives descobrem que o reverendo tem filhos de uma amante. Um deles é Errol Childress, um "filho bastardo" que era mal tratado. Na verdade, tudo sobre ele indica que ele seja vítima de um culto satânico de várias gerações.


Errol tem cicatrizes no rosto porque foi desfigurado por sua família quando era criança.


Nesta cena importante vemos que o símbolo espiral foi queimado na pele de Errol, como se ele houvesse sido "marcado" pelo símbolo. Em suma, ele não é o chefe do clube, ele está mais mais para uma vítima traumatizada.



No final de um episódio, Errol diz de modo horripilante: "Minha família está aqui há um longo, longo tempo." e em seguida começa a cortar a grama em padrão espiral. Isso representa simbolicamente como tudo que a elite ocultista faz está à vista – para aqueles que têm "olhos para ver". Também mostra como Errol é obcecado por este símbolo e foi programado por ele.




O programa fornece várias pistas que apontam para o fato de que Errol Childress é realmente uma vítima de controle mental baseado em trauma. Primeiro, ele fala com sotaques diferentes - um sintoma clássico de pessoa com múltiplas personas. Errol alterna de forma eficaz entre um sotaque típico da Louisiana e um sotaque britânico distinto. O conteúdo da sua casa também é bastante revelador.




A casa de Errol está cheia de bonecas (muitas das quais estão decapitadas). Essas bonecas não só aumentam o fator "arrepio", elas são um símbolo clássico para representar múltiplas personas criadas através de controle mental.



Na seqüência de abertura do programa, o rosto de uma criança projetado em um telefone (o da casa de Errol). O discador está sobre a cabeça da criança, uma maneira de retratar como vítimas da espiral são controladas mentalmente.



Enquanto seu pai é uma das pessoas mais ricas e mais respeitadas em Louisiana, Errol vive num barraco imundo com uma meia-irmã igualmente imunda, com quem copula. Em outras palavras, Errol claramente não é parte da "elite", mas um subproduto ilegítimo dela. Ao mesmo tempo em que ele é o último "cara mau" da série, fica bastante claro que é simplesmente outra vítima da espiral. Mesmo pessoas que trabalharam para a família foram vítimas.




Quando os detetives visitam Delores Jackson, uma ex-empregada que trabalhou para os Tuttle, também vemos sinais de controle da mente.


Apesar de Delores ter ficado mentalmente doente e geralmente sem sensibilidade para reagir (como se ela fosse traumatizada na vida), fica muito animada quando Rust mostra a ela suas imagens de redes do diabo – como se fossem imagens-gatilho.

Ela começa, em seguida, recitar frases como se estivessem programadas nela.


"Você conhece Carcosa? Aquele que come o tempo. Dele vestes, é um vento de vozes invisíveis. Alegrai-vos! A morte não é o fim!"




Por isso, está muito claro que as pessoas reais por trás da espiral nunca foram capturadas na série. A série terminou do mesmo jeito que as histórias da vida real envolvendo a elite ocultista muitas vezes terminam: Um bode expiatório controlado mentalmente leva a culpa e morre, sem tocar nos verdadeiros culpados. Apesar de Errol ter de fato cometido crimes atrozes, ele era produto de um sistema mais profundo.


Quando os detetives finalmente encontraram e mataram Errol, eles são enviados para o hospital para curar os ferimentos.. Lá, ouvimos uma reportagem de TV afirmando:
 

"O Procurador Geral do Estado e o FBI têm desacreditado os rumores de que o acusado estava de alguma forma relacionado com a família do senador de Louisiana Edwin Tuttle."



Este pedacinho de informação confirma que a Procuradoria Geral do Estado, o FBI e meios de comunicação em geral, estão "em conluio" com a espiral porque eles estão usando desinformação para limpar o nome da família.


Rust então diz a Marty que, embora eles tenham capturado Errol Childress, o seu trabalho não estava completo.


"Os Tuttle, os homens no vídeo ... Nós não pegamos todos eles." 


Ao que Marty responde: 



"É, e nós não vamos pegar todos eles. Esse não é o tipo de mundo que é, mas pegamos o nosso."



A avaliação deprimente de Marty sobre "como o mundo é" basicamente significa que a verdadeira elite ocultista não é pega. Ao dizer "nós pegamos o nosso", ele quer dizer que pegaram o que eles deveriam pegar: O bode expiatório escolhido. Esta não é uma mensagem reconfortante sobre a elite ocultista, mas é a triste verdade.



Conclusão

A série verdadeiros detetives estimulou todos os tipos de discussões e teorias sobre a identidade do assassino. No entanto, além do "quem matou?" clássico, há uma mensagem constante comunicada ao longo de cada episódio. Trata-se de nossa sociedade, de quem governa e das forças invisíveis que nos influenciam. Trata-se da psicosfera, um conceito que é obscuro para a maioria de nós, mas que é, não obstante, extremamente importante nos círculos da elite do ocultismo. Através de mega-rituais amplificados pelos meios de comunicação de massa, a elite parece ativamente gerar choque, medo e desânimo na população em geral, cujos pensamentos, em seguida, são projetados de volta na psicosfera. Esta perturbação faz com que a raça humana viva em uma atmosfera tóxica, governada por símbolos e pensamentos específicos. Além disso, como retratado por Audrey em True Detective, uma psicosfera perturbada faz com que a sociedade um entre em colapso, torne-se imoral e obcecada com pensamentos tenebrosos. É com isso que se deleitam.

Apesar de tudo isso, a série termina com Rustin Cohle tendo uma epifania e "vendo a luz" porque, por um momento, ele viu o "mundo espiritual", onde sua filha morta esperava por ele.

Cohle percebeu que, para além deste mundo material, o que é governado por poderosas famílias sádicas, há outra dimensão – uma eterna – onde eles não têm poder algum.


Tradução: BQP
Fonte: The Vigilant Citizen