sexta-feira, 29 de agosto de 2014


 D. Pedro I e a Maçonaria

Todos os estudiosos de nossa história conhecem de sobra o importante papel que a Maçonaria representou nos pródromos de nossa emancipação política. Quase sem exceção, os grandes vultos políticos e militares dessa época estavam filiados às sociedades secretas. As Lojas de S. Paulo e do Rio de Janeiro atuavam por trás das personalidades em evidência. Até membros do clero, a despeito da excomunhão ipso facto pronunciada pelo Papado desde os breves de 1738 e 1751, a elas se achavam filiados.

A atividade maçônica no Brasil vinha-se acentuando desde o entardecer do século XVIII. Foi muito silenciosa até 1815, quando se fundou a famosa Loja Comércio e Artes, que funcionou na casa do Dr. José Joaquim Vahia, na Pedreira da Glória, e, depois, na do Capitão-de-Mar-e-Guerra Domingos de Ataíde Moncorvo, em Niterói. No ano de 1816, havia 5 lojas regulares em Pernambuco. Em 1821, montava-se o Poder Maçônico brasileiro do Rio e em 1822 fundava-se, afinal, o Grande Oriente do Brasil, do qual decorreram as duas famosas lojas de Niterói: União e Tranqüilidade, e Esperança da Vitória. Houve mais em Niterói a Distinta ou Distintiva, que parecia datar de 1821. E, segundo Gonçalves Lêdo e José Bonifácio, é de crer que a primeira loja maçônica regular no Brasil foi a Reunião, estabelecida em 1801.

Na sua atuação em prol da independência, a Maçonaria procurou condicioná-la a uma verdadeira transição ente os elementos nacionais conservadores e os mais avançados. Êstes queriam logo a República. Aquêles a repeliam. Daí se tomar como base a permanência da dinastia bragantina num império constitucional e democrático. A república viria a seu tempo, como veio, coroando a obra. Tudo ase fazia sob o influxo das idéias do racionalismo filosófico lançado ao mundo pela Enciclopédia. O príncipe D. Pedro, Regente do Reino do Brasil na ausência do pai, D. João VI, de retôrno à Europa, cooperou de bom grado com o movimento que o empurrava para um trono imperial. Mas, pensando servir-se da Maçonaria, a ela é que estava servindo.

A 13 de maio de 1822, o Brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto propôs que a Maçonaria conferisse a D. Pedro I o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil, para que, à dignidade de Regente, emanada do Soberano português, se juntasse outra, outorgada pelo povo. D. Pedro I, lembrando-se de Cromwell, não aceitou a palavra Protetor e ficou sòmente Defensor Perpétuo. Então, a Maçonaria funcionava na antiga Rua da Ajuda, em casa de Joaquim José da Rocha.

Ali começou a trama para forçar o príncipe a ficar no Brasil, desobedecendo ao chamado da metrópole e inutilizando a ação da tropa portuguêsa do comando do General Avilez. O Fico foi a porta aberta para o grito de "Independência ou Morte!". Quando D. Pedro seguiu para o interior, para conquistar o apoio de Minas e S. Paulo, a Maçonaria decidiu recebê-lo no seu seio e dar-lhe o malhête de Grão-Mestre. Na mesma noite do seu regresso da Paulicéia, tomou posse do cargo. Fôra, sem dúvida, José Bonifácio quem cuidadosamente o guiara até o seio da Loja. Era êle, então, o Grão-Mestre em Exercício. Tomou o Imperador como maçom a alcunha ou nome de guerra de Guatimozin. Iniciado como aprendiz, em oito dias galgava todos os graus até o último. E Menezes Drummond conta que, no dia de sua aclamação, o Imperador se achava rodeado de todos os irmãos trazendo armas ocultas.

Mesmo antes de proclamada a independência e de se instituir o Império Brasileiro, formaram-se no seio da Maçonaria duas facções rivais, a de Gonçalves Lêdo e a de José Bonifácio. Êste dirigia os mais conservadores; aquêle os mais liberais, os mais avançados. Girondinos e Jacobinos. Por isso o Patriarca deixou o Grande Oriente e fundou o Apostolado ou Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz. D. Pedro foi eleito seu Arconte-Rei e José Bonifácio, Cônsul. Ambos prestaram juramento a 22 de junho de 1822.

O Imperador, como se vê, pertencia às duas facções maçônicas e procurou navegar entre elas sem choques bruscos. Todavia a de Lêdo exigiu dele o juramento prévio da Constituição que se ia votar. D. Pedro rebelou-se e, assomado de gênio como era, mandou na qualidade de Grão-Mestre a Gonçalves Lêdo a seguinte prancha: "Cumprindo fazer certas averiguações públicas como particulares na Maçonaria, mando primo como Grão-Mestre que os trabalhos da maçonaria se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos agora. Resta-me reiterar os meus protestos como irmão. Pedro Guatimozin, Grão-Mestre".

Sêco e expressivo. Lêdo submeteu-se, mas lançou a Marquesa de Santos contra José Bonifácio. O Imperador, numa noite chuvosa, à frente de 50 soldados do Regimento de Artilharia Montada, entrava na sede do Apostolado, na Guarda Velha, onde hoje fica o Tabuleiro da Baiana, fechava o Templo e mandava carregar os arquivos para lugar seguro.

A luta entre o soberano e as facções maçônicas continuou daí por diante sem remissão até a queda de Sua Majestade na madrugada de 7 de abril de 1831, provocada por aquêles mesmos liberais exaltados que já pensavam em república. Um de seus jornais dizia nessa ocasião estas palavras significativas: "O perjuro abdicou. Devemo-lo deixar partir em paz, podendo êle colhêr livremente os frutos das traições Cometidas contra nós". Confissão mais do que clara.

Chegaram até nossos dias as insígnias maçônicas usadas por D. Pedro. Estão guardadas no Museu Histórico, ao qual foram doadas pela Viscondesa de Cavalcanti, cujo marido, um dos estadistas do Império, as conservava com o maior carinho. São as seguintes: faixa bordada a sêda e ouro com a águia bicéfala de Cavaleiro Kadosch como pendente; avental de Grão-Mestre com a figura do templo à sombra da Acácia; malhête de sinais, de bronze dourado, com o nome do Imperador gravado em relêvo; finíssimo espadim de lâmina de Toledo e punho de latão dourado e filigranado.

Ao lado dessas preciosas relíquias, há uma outra encontrada nos desvãos do Paço de S. Cristóvão, quando o mesmo foi entregue ao Museu Nacional. Trata-se dum gládio maçônico grande e forte, de punho singelo e bainha de veludo vermelho. É de supor tenha pertencido também a D. Pedro I, de vez que D. Pedro II nunca fêz parte, que se saiba, de qualquer sociedade secreta. Talvez seja o gládio de Arconte-Rei no Apostolado.

Tais peças recordam aos brasileiros de hoje o papel representado junto à Maçonaria pelo Imperador D. Pedro I, Guatimozin e Arconte-Rei ao mesmo tempo.


BARROSO, Gustavo. Segredos e Revelações da História do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro; 1961, pp. 128-130.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014




Detalhe, o projeto prevê que mesmo se não houver consentimento dos pais para que a criança faça a cirurgia de mudança de sexo, essa criança pode autonomamente procurar a defensoria pública para garantir que sua vontade seja atendida.

O Projeto de Lei 5002/2013 - LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO, proposto pelos deputados Jean Wyllys – PSOL/RJ e Erika Kokay – PT/DF, em supra mencionados, trata acerca da viabilização e desburocratização para indivíduo ter assegurado por lei o direito de ser tratado conforme o gênero escolhido por  ele.  Por exemplo, se nasce homem e quiser ser tratado como mulher basta ir ao cartório, sem demasiadas burocracias e mudar seu prenome de João para Maria, e por conexão todos os documentos serão modificados em adequação ao novo nome.


O projeto define identidade de gênero como: 

Artigo 2º – Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal
como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o
nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.


Facilidades para fazer a alteração de identificação civil

Artigo 3º – Toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do  prenome e da imagem registradas na documentação pessoal, sempre que não coincidam com a  sua identidade de gênero auto-percebida.
Artigo 4º – Toda pessoa que solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e  da imagem, em virtude da presente lei, deverá observar os seguintes requisitos:
I – ser maior de dezoito (18) anos;
II – apresentar ao cartório que corresponda uma solicitação escrita, na qual deverá manifestar  que, de acordo com a presente lei, requer a retificação registral da certidão de nascimento e a emissão de uma nova carteira de identidade, conservando o número original;
III – expressar o/s novo/s prenome/s escolhido/s para que sejam inscritos.


Mesmo uma criança que não tenha consentimento dos pais poderá recorrer à defensoria pública para que sua vontade de mudança de nome seja atendida (Lembra do João que quer virar Maria do exemplo?)

Artigo 5º – Com relação às pessoas que ainda não tenham dezoito (18) anos de idade, a solicitação do trâmite a que se refere o artigo 4º deverá ser efetuada através de seus representantes legais e com a expressa conformidade de vontade da criança ou adolescente, levando em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
§1° Quando, por qualquer razão, seja negado ou não seja possível obter o consentimento de algum/a dos/as representante/s do Adolescente, ele poderá recorrer ele poderá recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança.


Se uma pessoa for mãe ou pai e quiser mudar o sua qualidade paternal ou maternal no registro de nascimento do filho pode fazer (Por exemplo o pai que quer ser qualificado como mãe no registro do filho, fazendo assim o documento ficar registrado não mais com um pai e uma mãe, mas com duas mães, mesmo que a outra parte não concorde). O documento de casamento também pode seguir essa linha:

Artigo 7º
§2º Preservará a maternidade ou paternidade da pessoa trans no registro civil de seus/suas
filhos/as, retificando automaticamente também tais registros civis, se assim solicitado, independente da vontade da outra maternidade ou paternidade;
§3º Preservará o matrimônio da pessoa trans, retificando automaticamente também, se assim  solicitado, a certidão de casamento independente de configurar uma união homoafetiva ou heteroafetiva.


Mudança de Sexo e outros procedimentos a fim de adequar o corpo à identidade de gênero (Tudo pago pelo SUS)

O projeto garante também o direito à cirurgia de mudança de sexo, e não só isso, garante todos os procedimentos como ‘tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida’, TUDO ISSO BANCADO PELO SUS. 

Artigo 8º – Toda pessoa maior de dezoito (18) anos poderá realizar intervenções cirúrgicas  totais ou parciais de transexualização, inclusive as de modificação genital, e/ou tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida.
§1º Em todos os casos, será requerido apenas o consentimento informado da pessoa adulta e capaz. Não será necessário, em nenhum caso, qualquer tipo de diagnóstico ou tratamento psicológico ou psiquiátrico, ou autorização judicial ou administrativa.

Menores de 18 anos poderão fazer cirurgia de mudança de sexo, mesmo sem a autorização dos pais, seguindo os mesmos critérios da alteração do registo civil.

§2º No caso das pessoas que ainda não tenham de dezoito (18) anos de idade, vigorarão os mesmos requisitos estabelecidos no artigo 5º para a obtenção do consentimento informado.

Artigo 5, §1º in fine poderá recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança.

Artigo 9º – Os tratamentos referidos no artigo 11º serão gratuitos e deverão ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º  da Lei 9.656/98, por meio de sua rede de unidades conveniadas.

O projeto está em tramitação e aguarda análise da Comissão de Direitos Humanos e Minorias ( CDHM ) da Câmara.



Fonte: Revolta Brasil

Encontrado no Fórum AntiNOM




(p/ ver a imagem em alta resolução, clique AQUI)


Palavras-chave: agenda da pedofilia ; legalização da pedofilia ; Brasil ; governo brasileiro ; gayzismo ; ditadura gay ; ditadura gayzista ; corrupção ; dinheiro público ;

segunda-feira, 25 de agosto de 2014




Santo Antão

O Santo da Renúncia

parte 2


Mas imediatamente outra figura apareceu em seu lugar, igualmente real e igualmente verdadeira, como se a que o havia tentado durante a noite pela sua beleza se houvesse transformado agora na sua asquerosa contraparte. Um negrinho de lábios grossos ali estava diante dele, inteiramente nu e destituído até mesmo do mais primitivo senso de vergonha, fitando-o com um olhar bestialmente degenerado. Parecia-se com um membro de uma daquelas tribos selvagens que viviam na floresta, ao longo da fronteira da Núbia, tribos profundamente desprezadas pelos egípcios, pela sua desenfreada sensualidade. Dois chifres adornavam-lhe a cabeça, sinal entre os negros da floresta do gozo da plena potência viril. A princípio, Antão teve medo daquela estranha figura, mas depois verificou, de súbito, que deveria ser o diabo e que ninguém mais senão o diabo estivera a tentá-lo a noite inteira, na forma da bela rapariga felá.

Quando a aparição notou que seu disfarce havia sido descoberto, revelou sua identidade, dizendo: "Sou o advogado da impureza e me chamam o espírito da fornicação. Quantos eu não atraí das veredas da castidade, com minhas tentações! A muitos iludi e muitos derrubei; contudo, agora, quando te ataquei, como a outros tenho atacado, não fui bastante forte."

Encorajado por esta confissão de fraqueza da parte do atacante e cheio de desdém, Antão exclamou, pleno de orgulho: "Bem desprezível és, pois tua mente é negra e tens a força de uma criança!" Desta forma foi o espírito negro vergonhosamente derrotado e desapareceu instantaneamente.

Graças à sua firme resolução, Antão havia conseguido vencer as tentações daquela noite. [...] Antão havia renunciado ao mundo, mas o demônio sabia como dar entrada em sua solidão. Descera sobre ele com tentações mundanas, justamente quando todos os esforços de Antão estavam concentrados em Deus e havia-se apoderado de suas recordações, perturbando-o com fantasias e visões falazes.

[...] Quer o homem resista às tentações de sua mais baixa natureza com o contorno e forma do demônio, quer pense a respeito delas em termos de abstrações éticas, ou as visualize como a erupção de desejos recalcados — permanece o fato de que existe um poder que interfere em todas as aspirações mais elevadas do homem, poder ao qual toda vida humana tem de se ajustar. Crença no demônio ou interpretações éticas e psicológicas são simplesmente maneiras diferentes de explicar um mesmo e único fenômeno.

[...]

Para Antão, o asceta, as coisas materiais do mundo tinham um demônio, e o demônio era verdadeiramente "o príncipe deste mundo". Para escapar à garra do demônio, primeiro que tudo tinha ele que tentar ultrapassar o limite do poder do demônio. Devia mudar-se do reino dos vivos para o reino dos mortos. Para atingir isto, decidiu trocar seu refúgio, sob o sarçal, por um túmulo, o abrigo da morte, totalmente isolado do mundo e dos vivos.

No Egito, o túmulo tinha significação muito muito maior do que tem em nossa civilização. A vida temporal do homem era, para o egípcio, uma simples peregrinação no caminho para a vida eterna. Um abrigo terrestre era apenas um repouso para o viajante, mas o túmulo era uma "mansão de eternidade". Isto explica por que os túmulos estavam designados a desempenhar papel tão preeminente na cena egípcia. Verdadeira cidade dos mortos, eram eles cavados na rocha da montanha que borda o deserto líbio. Tinham a dureza e a perenidade do granito e de sua majestática altitude olhavam para baixo com desdém, para a efêmera mesquinhez das habitações de adobe dos vivos.

Para os cristãos coptas, que mantinham o velho conceito egípcio da efemeridade da vida sobre a terra e de que a vida depois da morte era a consecução da verdadeira essência de todo ser, o túmulo retinha sua importância fora do comum. Isto era especialmente verdadeiro aos olhos de um asceta, cujos atos e pensamentos se concentravam na mortificação da carne e para o qual o túmulo era o pórtico para a vida eterna. Contudo, a idéia de que uma pessoa viva decidisse fazer de um túmulo sua morada é difícil de compreender, não apenas do ponto de vista moderno, mas era igualmente desconcertante para os contemporâneos de Antão.

[...]

Pesados blocos de granito isolavam as "mansões de eternidade" do mundo lá embaixo e, durante séculos, ninguém tinha ousado penetrar naqueles túmulos. Antão pôs-se a caminho de seu novo abrigo, levando consigo um piedoso amigo da aldeia. Este amigo iria fechar a entrada do túmulo depois que Antão nele entrasse, deixando apenas uma estreita brecha, através da qual de vez em quando passaria o simples essencial de pão e água, sem o qual o próprio Antão não poderia viver.

Antão entrou e achou-se numa ante-sala em forma de abóbada, cuja fraca iluminação devia-se a uma réstia de luz que vinha da entrada. As paredes estavam cobertas de relevos representando cenas de caçada e animais sagrados de longínqua antiguidade, a espécie de decoração com que os velhos egípcios costumavam adornar os lugares de repouso de seus mortos.

Dali um escuro corredor conduzia ao túmulo propriamente dito, embaixo. Antão foi apalpando o caminho, cuidadosamente, em meio das trevas. Mas tão logo atingira o fim do corredor e entrara na sala subterrânea a que ele conduzia, uma voz colérica elevou-se dentre as trevas, dizendo: "Que estás fazendo aqui no reino dos mortos? Como ousas fazer o que vivente algum jamais ousou?" Eram palavras humanas que a voz proferia, mas os sons eram ao mesmo tempo tênues e penetrantes e pareciam vir do reino dos espíritos.

Antão recuou, mas havia aprendido a lição de suas experiências anteriores e soube imediatamente que tudo aquilo era mais uma vez obra do demônio. Fora certamente o demônio que ordenara ao espírito de morto que voltasse ao lugar onde repousava seu corpo, a fim de impedir que Antão encontrasse qualquer paz no túmulo solitário. Mas Antão não desistiria de sua decisão de morar com os mortos. Começou a rezar. Ergueu a voz e rezou alto, ecoando as apalavras de devoção em redor dele nas trevas. Mas um eco de centenas e milhares de vozes respondia dentre a treva, tentando mergulhar-lhe a oração num alarido de blasfêmias. Sabia ele que fora o demônio quem ordenara a vinda daquele coro especial, lá do reino dos mortos! Era o demônio, de cujo domínio mundano fugira ele, que estava agora tentando interferir em seus piedosos propósitos, por meio daquelas vozes diabólicas.

Deus não concede vida fácil àqueles a quem escolheu.Experimenta-os, entregando-os às tentações do mal. Entregou Jó, o mais piedoso dos homens, e até mesmo Jesus, Seu unigênito filho, às mãos do tentador. O mesmo fazia agora dando ao demônio mão livre para tentar a firmeza de Seu piedoso filho de Coma.

Grandes complicações tinha Antão com o demônio. Quando começava a rezar, suas piedosas palavras eram abafadas pelo barulho de gritos fantasmais. O demônio, porém, tinha grandes complicações com Antão, pois ele não se deixava intimidar pela algazarra diabólica e continuava simplesmente a cumprir seus exercícios de devoção. Assim a luta continuava, por dias e semanas, por meses talvez, ou mesmo por anos. Não se pode dizer quanto tempo durava, pois no túmulo não há relógio para bater horas. Não há sol ou lua para se erguer ou se pôr. Não há tempo no túmulo.

Das profundezas de sua miséria, chamava Antão: "Ó meu Senhor, ajudai-me e iluminai-me!" Mas logo que pronunciava estas palavras, via em torno de si uma multidão de centenas de milhares de luzes sulfúreas e de cada luz ouvia também uma voz separada. De repente, parecia que as vozes fantasmais e as luzes sulfúreas se misturavam. As vozes bruxuleavam como fogos-fátuos e as luzes explodiam num canto espectral. "Escuta, Antão! Viemos iluminar-te!" Isto era seguido por uma explosão de gargalhadas diabólicas e por uma trovoada de aplausos selvagens. Mas não havia ali bocas que pudessem gargalhar, nem mãos que pudessem palmear. Gargalhadas e palmas vinham de nenhuma parte, daquele mesmo escuro nenhures que havia mandado as vozes e as luzes, o reino dos espíritos, com os quais o demônio havia enchido o túmulo.

Antão redobrava seu rigor ascético. Durante dias, não comia nem bebia. Por longos trechos de tempo, negava-se qualquer sono, pois sabia que somente uma concentração mais intensa de sua alma poderia ajudá-lo a triunfar das maquinações do demônio. Mas os ataques aumentavam de fúria. Dir-se-ia que o demônio sea limentava do estômago vazio de Antão, matava sua sede na garganta ressecada de Antão e encontrava estranho repouso nas noites insones de Antão.

Quando se tornou claro que os fantasmas e suas zombarias haviam fracassado, o diabo recorreu a métodos mais drásticos de ataque. Ordenou a suas coortes que se encarniçassem contra o corpo enfraquecido de Antão, que o torturassem, que lhe dessem pontapés, coices e lhe batessem até ser vencida sua paixão pela prece. Os espíritos obedeciam e lançavam-se contra Antão com tal fúria que ele perdia os sentidos, caindo inconscientemente no chão.

Por esta ocasião, o amigo de Antão chegou ao túmulo, trazendo-lhe nova provisão de pão e água, mas quando deu o sinal na entrada, não recebeu resposta. Empurrou a pesada rocha para um lado e entrou. Chamou de novo e, quando de novo o silêncio foi a resposta, dominou seu medo e foi descendo vagarosamente pelo escuro corredor até o quarto inferior. Depois de por muito tempo apalpar o caminho em redor, encontrou por fim o corpo caído de Antão. Arrastou o corpo inerte do túmulo e carregou-o nos ombros até a igreja da aldeia de Coma.

A notícia de que o filho de Coma mais temente a Deus tinha sido encontrado morto excitou a vila inteira e logo a igrejinha se encheu de uma multidão de aldeões enlutados e soluçantes, que desejavam ajudar o padre a entrerar o corpo de Antão, ou simplesmente contemplar-lhe a veneranda face pela última vez. Um grupo deles, conduzido pelo amigo de Antão, foi encarregado de fazer o velório do cadáver, durante a noite. Mas em meio da noite, quando todos aqueles bons homens, com exceção ao amigo de Antão, estavam profundamente adormecidos, aquele a quem estavam eles encarregados de velar, aquele a quem todos julgavam morto, ergueu-se de seu sono letárgico. Sentou-se, vendo seu amigo, acenou-lhe, chamando-o, e fez-lhe compreender que desejava ir embora. Sem uma palavra, saíram os dois cautelosamente, passando por cima dos vigilantes adormecidos e deixaram a igreja. Dentro em breve os dorminhocos acordaram e acharam o caixão vazio. Por esse tempo, Antão, apoiado no braço de seu amigo, estava a caminho de volta para o túmulo, onde tencionava prosseguir sua luta contra o demônio de novo.


CONTINUA... (parte 3)


FÜLÖP-MILLER, René. Os santos que abalaram o mundo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004, pp. 35-41.



Ler desde o início: parte 1 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014




Santo Antão

O Santo da Renúncia


parte 1


Durante mil e quinhentos anos, as "tentações de Santo Antão" cativaram a imaginação de artistas e escritores. A impressão que deixaram pode ser acompanhada desde os mestres  da mais velha escola bizantina até Cézanne e Félicien Rops, dos mais remotos cronistas até Flaubert e Anatole France. Atanásio, o famoso bispo de Alexandria, conheceu pessoalmente Antão, o homem cuja vida e cujo caráter iriam manifestar tamanhos poderes infalíveis de fascinação. Na sua Vita Sancti Antonii, o bispo deixou uma descrição, em primeira mão, da personalidade e da estranha vida de Antão, que se estendeu por mais de cem anos. Além de ser a primeira narrativa da vida de qualquer santo, esta Vita é também a primeira biografia não limitada a simples cópia de acontecimentos exteriores, mas lança uma vista para o interior dos conflitos íntimos de seu biografado. Pode ser chamada a primeira biografia psicológica da literatura mundial. O autor foi um piedoso bispo do quarto século, sem qualquer espécie de dúvida religiosa a perturbá-lo. Lendas e milagres, visões sagradas e aparições do demônio eram para ele fatos tão reais como nomes de pessoas e lugares, ou datas. Seu herói foi o primeiro eremita, cujo ambiente e modo de vida são estranhos e por vezes incompreensíveis aos leitores modernos. Todavia, o conflito básico na vida deste homem foi um conflito eternamente humano, que não pode ser evitado por quem quer que lute por obedecer ao chamado de sua natureza mais elevada: o conflito entre a tentação carnal e a contenção espiritual.

Antão nasceu cerca do ano 251, na aldeiazinha de Coma, hoje chamada Quemã-el-Arune, na província de Beni Suef, no Alto Egito. Era filho de ricos coptas, cujas terras de plantio, de cerca de 130 acres, estavam localizadas às margens do Nilo, na província de Faium. Então, como hoje, era o Egito uma terra sem chuva. No alto, o céu ostentava-se eternamente azul e sereno. Havia apenas uma fonte de água, o Nilo. A prosperidade ou a penúria dos lavradores dependiam dos caprichos misteriosos do "grande rio". No inverno, na primavera e no verão, o Nilo era uma lúgubre e suja extensão de água, deslizando preguiçosamente ao longo de suas margens áridas e arenosas. Somente o esforço mais persistente e um imenso gasto de trabalho árduo podiam arrancar dele aquele mínimo de água que o homem, o animal e o solo requerem.

Dia após dia, o jovem Antão, com uma junta de búfalos, ocupava-se na tarefa de conservar em movimento a roda-dágua de seu pai. Era um típico felá jovem, de forte constituição e pele bronzeada, maçãs do rosto salientes, grandes olhos negros e densas pestanas — de rosto e estatura notáveis, resumo e repetição de seus antepassados. Ali ficava ele, encarapitado numa estranha espécie de assento, vigiando a procissão infindável, que descia água adentro e voltava a subir à margem, de potes de barro vazios e cheios, ligados aos raios salientes de uma roda vertical, montada sobre os dentes de uma outra horizontal, que os búfalos empurravam, vagarosa e constantemente, girando, girando, girando.


Enquanto não chegasse o outono, essa faina não podia ser interrompida. Depois, bem de súbito, o rio plácido e preguiçoso inchava e principiava a fluir com grande rapidez. Sua cor cinzenta passava a vermelha e verde. Continuava a subir; inundava suas margens; transformava a região, até as colinas na orla do deserto, num vastíssimo lago.

Finalmente, as águas baixavam e chegava a época do ano em que Antão devia acompanhar seu pai. Com as mãos transbordantes de sementes, semeava o grão na lama fértil deixada pelas águas do rio. Dentro em pouco, as margens do Nilo mudavam-se num brilhante campo de trigo ondulante. Uma ou duas colheitas, muitas vezes, graças à abundante riqueza do rio, tantas como seis colheitas, seguiam-se uma à outra, em rápida sucessão. Era o tempo da fartura e da abundância, em que o pai de Antão podia acrescentar novas somas às suas economias dos anos anteriores.

Desde a sua mais tenra infância, Antão conhecia o Nilo como a mesma e grande experiência central que fora para seus antepassados. Essa experiência lhe ensinava que os labores de todos os homens nada são em si mesmos. Que aquilo que o homem necessita, seu pão quotidiano e seus bens terrenos, é-lhe dado como graça. Para Antão e sua família, o doador dessa graça era o Nilo, mas no Nilo havia Deus que governava e expressava Sua vontade.

[...]

No Nilo, Deus se manifestava em Sua onipotência, a onipotência da natureza; e na igrejinha da vila de Coma, o padre proclamava Seus divinos mandamentos. O pai de Antão vivia em estrita adesão àqueles mandamentos e transmitia ao filho o espírito de sua própria piedade inata e incondicional. A simplicidade e naturalidade de sua fé, características de todos os felás, estavam profundamente arraigadas na natureza peculiar da cristandade copta.


[...]

Para Antão, a doutrina de Cristo era um lei que não podia ser posta em discussão. Seu pai estivera sempre atento para conservar afastada dele qualquer influência externa que pudesse perturbar-lhe a pureza da fé. Enquanto outros meninos brincavam, jogavam e divertiam-se a valer, Antão ficava em casa e passava suas horas livres em piedosas orações.

Para o espírito do velho lavrador, a pior ameaça à salvação de seu filho era o saber mundano, tal como era cultivado nas escolas gregas. [...] Uma vez caído no encanto daqueles símbolos mágicos, estava-se fadado a ser presa do ceticismo do pensamento grego, bem como da exploração por parte dos gregos senhores de terras. De modo que o jovem Antão não foi mandado à escola e cresceu analfabeto. Sua bagagem espiritual e mental ficara limitada ao que o  padre da igreja local tinha a oferecer nas suas leituras da Bíblia copta e nas piedosas lições que nela baseava.

À medida que o menino crescia e se aproximava da varonilidade, as belas moças felás da vizinhança começaram a atrair-lhe a atenção. Muitas vezes aquelas moças passavam por ali, caminhando através dos campos, altivas na graça de seu passo elástico, balançando habilmente os potes de barro na cabeça, os corpetes em forma de blusas soltas revelando naturalmente o contorno firme de seus seios cor de bronze. Antão parava e ficava a contemplá-las, como se fascinado pela beleza delas. Os outros rapazes podiam acompanhar as moças, podiam falar-lhes e gozar-lhes da companhia, mas Antão, o filho obediente, cumprindo as estritas ordens de seu pai, voltava para casa e rezava até poder libertar seu pensamento das sedutoras donzelas e concentrar-se de novo apenas em Deus.

Estava Antão com quase vinte anos quando, em rápida sucessão, morreram-lhe o pai e a mãe. Achava-se agora só, com exceção de uma irmã mais moça, ainda menor. Herdara campos, pastos e rebanhos e fazia o melhor que podia para dirigir a riqueza de seu pai que se tornara agora sua. Econômica e honestamente juntava dracma a dracma, ávido de aumentar as somas que seu pai lhe havia deixado. Passava seus dias em atos de piedade e retidão, justamente como antes da morte de seu pai, pois era um bom filho e vivia de acordo com as lições de sua primitiva educação. E quando este moço,privado da guia paterna, ouvia na igreja as lições tiradas da Bíblia, tomava-as como as ordens de um pai cuja autoridade era mesmo maior que a do outro que havia morrido. Como filho obediente, esforçava-se cada vez com mais zelo, cada vez com mais rigor, por viver fielmente de acordo com os mandamentos de seu Pai Celestial. Nos anos de sua infância, esforçara-se por agradar a seu pai da terra, mas agora via cada vez mais claramente que era seu dever tornar-se digno da graça de Deus, lutando por atingir o mais alto grau de perfeição interior.

 Um domingo de manhã, cerca de seis meses depois da morte de seus pais, estava Antão sentado no banco da família, na igreja da aldeia. Ali estava ele, belo e esbelto jovem, filho obediente, escutando atentamente as ordens de seu Pai. Aeus olhos estavam presos aos lábios do padre. Os ouvidos tão atentos que nem uma palavra sequer poderia escapar-lhes. O padre lia o Evangelho segundo são Mateus: "E eis que alguém se aproximou e Lhe disse: 'Mestre, que coisa boa farei para ter a vida eterna?' E Jesus respondeu-lhe: "Se  queres entrar na Vida, guarda os mandamentos." Disse-Lhe o jovem: "Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda?" Disse-lhe Jesus: "Se queres ser perfeito, vai vender tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois vem seguir-Me.'"*

Antão levantou-se, deixou a igreja, foi e vendeu sua terra e seus rebanhos, e deu o dinheiro aos pobres da aldeia. Pois sentiu que as palavras que Cristo dissera ao moço rico da Galiléia aplicavam-se a ele, o jovem rico de Coma.

Não sabemos o que aconteceu ao moço rico e se ele executou as palavras que o Senhor lhe dissera, 250 anos antes da época de Antão. Mas isto sabemos: Antão, o rico jovem de Coma, que viveu no terceiro século depois Cristo, cumpriu a exortação dirigida tanto tempo antes ao jovem da Galiléia. Decidiu viver sua vida de acordo com o preceito de Cristo e é para nós o exemplo mais antigo e mais conhecido do que acontece a um homem que segue o pedido do Evangelho com todas as suas conseqüências.

Da noite para o dia, o rico jovem tornara-se pobre. Seu pão de todo dia estava mais garantido. Enfrentava agora todas as privações da pobreza.

No domingo seguinte, era um jovem mortificado, vestido com os farrapos da pobreza, quem se sentava na igreja aldeã de Coma e ouvia o padre ler o seguinte trecho do Sermão da Montanha: "Não andeis, pois, ansiosos pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado; ao dia bastam os seus próprios males."

E mais uma vez Antão sentiu que as palavras se dirigiam a ele. Levou sua irmãpara um asilo de donzelas e tomou seu caminho para alcançar a perfeita solidão, onde não há necessidade de pensar nas coisas do amanhã.

A decisão de Antão significava completo rompimento com sua antiga vida. Para levá-la a efeito, necessitava do conselho de um homem de sabedoria e experiência. O padre da aldeia não poderia auxiliá-lo. Era um homem piedoso e vivia sua vida de acordo com a letra da lei, mas ao mesmo tempo, como era costume na Igreja Copta, era proprietário de terras e de outros bens terrenos e tinha mulher e filhos. Sua voz recitava o mandamento ao Senhor, mas não sabia ele como poderia o conselho nele contido ser traduzido em atos práticos. Havia, todavia, naquela época, certo número de cristãos piedosos, que viviam no Egito, verdadeiros "homens retos", forçados a fugir às perseguições do imperador romano Décio, e que agora viviam para sua fé numa reclusão sossegada. Um destes homens tinha uma choupanazinha não longe dos limites de Coma e foi a ele que Antão procurou, para guiá-lo no dilema em que se achava.

Encontrou m ancião, envolto numa capa de pêlo de camelo, que o abrigava em lugar da camisa que os lavradores coptas geralmente usavam. Possuía apenas uma dura esteira, sobre a qual dormia, e ganhava miserável paga, tecendo esteiras e cestos. Dele aprendeu Antão como opor-se às tentações mundanas, com a força da oração e do trabalho, como dominar os apetites sensuais, pelo jejum e pela mortificação; aprendeu quão importante era que seus alimentos lhe proporcionassem apenas meri sustento e que deveriam consistir em nada mais do que pão e água e algumas tâmaras. Antes de deixar o velho eremita, Antão aprendeu com ele a tecer esteiras e cestos de folhas de palmeira.

Todas estas coisas, porém, apenas diziam respeito, por assim dizer, às exterioridades do ascetismo. O caminho interior para o objetivo foi apontado a Antão pela natureza, a natureza característica do Egito. Quando ainda criança, já lhe haviam falado da onipotência de Deus, e que agora, no começo do seu noviciado ascético, mostrava-lhe o caminho que o afastaria do mundo dos homens para o mundo da absoluta solidão.

Na sua simples grandeza, a paisagem do Egito jazia diante de Antão como uma reprodução admirável  do súbito rompimento que ele estava contemplando. Ao longo das margens do Nilo estendia-se a fértil província de Faium, funda e verde extensão de pastos e campos, símbolo de vida e de abundância. Depois, subitamente, não muito distante dos limites da aldeia de Coma, toda aquela exuberância dava lugar a uma aridez inabitável, onde a própria natureza parecia ter-se tornado ascética. Não era isto precisamente a espécie de abrupta mudança que o Evangelho exigia?

Envolto numa capa de pêlo de camelo, despojado até mesmo da menor trouxa de bens terrenos, Antão adentrou-se no deserto. Encontrou um sarçal e escolheu-o para seu futuro abrigo, embora parecesse mais adequado como caverna de animais errantes do deserto, do que a morada de um ser humano. Em seguida, pensou afinal que distante de todas as tentações mundanas, libertado de todos os cuidados referentes às coisas do mundo, poderia começar sua vida de devoção imperturbável. Mas esta abrupta mudança da abundância da vida para a esterilidade e a solidão mostrou ser mais um problema para o moço egípcio do que para a paisagem egípcia. Na natureza, a vegetação luxuriante transformava-se abruptamente em aridez irremediável, contudo, eram coisas distintas e uma nada sabia da outra. Antão, todavia, tinha de passar de uma para outra, da abundância à esterilidade, da vida à solidão; e, embora não carregasse consigo bens terrenos de qualquer espécie, estava contudo carregando, inconscientemente, a bagagem das recordações de tudo quanto deixara para trás.

Mal começara a acostumar-se à sua nova vida quando, com horren da malícia, seu invisível pacote pôs-se a desempacotar, por si mesmo, os indignos despojos que continha: ponto por ponto sua vida inteira, a vida que ele tinha abandonado, o mundo a que havia renunciado. Via de novo seus campos cultivados e seu gado pastando, e teve saudade deles e sentiu quanto significavam para ele. Via o contorno firme dos seios cor de bronze das belas raparigas felás. Pensava freqüentemente no dinheiro que recebera em paga de sua terra, o dinheiro que dera aos pobres. E de novo os algarismos, que ele recordava até ao último vintém, voltavam marchando pela sua mente, somando-se até um perfeito total. Fazia o que o velho "homem reto" lhe havi aconselhado que fizesse: empregava todos os seus esforços em concentrar-se na oração e buscava também refúgio no trabalho físico de tecer esteiras. Mas cada dia de sua vida solitária aumentava o poder de sua memória. Como seu perverso propósito fosse perturbar-lhe o trabalho e a devoção, começou a empregar toda espécie de ardis imaginosos: mostrava-lhe seus campos perdidos, produzindo cem vezes mais frutos, seu gado perdido aumentando em proporções de grandes manadas.

Mas Antão replicava a isso rezando com mais fervor ainda, trabalhando ainda mais duramente. Tornou-se mais rigoroso em seu jejum, mais sem piedade na sua autopunição. Os pensamentos inimigos tinham que ser expulsos pela oração, pelo trabalho, pelo jejum, pela flagelação. Então uma noite, quando estava quase certo de que havia alcançado êxito finalmente, ao erguer a vista depois de rezar, viu diante de si uma moça. Carregava na cabeça um pote d'água e sua blusa estava aberta, mostrando-lhe o pescoço e o seio. Era uma das raparigas felás a quem vira muitas vezes passar pelos campos. A moça despojou-se de suas vestes e deitou-se por baixo do sarçal. Antão tentava não olhar, tentava buscar refúgio na oração. Mas a moça não desistia; passou a noite inteira a tentá-lo com todas as espécies de gestos lascivos. Ele, porém, conservava os olhos voltados para Deus, implorando-Lhe que viesse em seu socorro. Por meio das preces mais ardentes, resistiu à tentação. Quando por fim surgiu a aurora, a moça, como uma aparição, havia desaparecido no crepúsculo da manhã.




*As citações bíblicas a partir da 7.a edição transcrevem-se da Bíblia Sagrada, segundo os originais hebraico e grego, tradução em língua portuguesa das Sociedades Bíblicas Unidas, Rio de Janeiro, 1947. (N. da E.)


FÜLÖP-MILLER, René. Os santos que abalaram o mundo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004, pp. 29-35.


CONTINUAÇÃO: PARTE 2

sexta-feira, 15 de agosto de 2014



“Eu consigo colocar o pé na minha cabeça. Quer ver?”, pergunta Lara, de apenas cinco anos. Ela se desdobra em posições complicadas e doloridas para qualquer adulto, como se fosse feita de massinha. A elasticidade e flexibilidade de Lara são alguns dos resultados do pole kids, modalidade infantil do pole dance.

Entre os adultos, o pole dance é prontamente associado a uma dança erótica, mas a prática pode ter outro foco. Já existem campeonatos profissionais para atletas, tantos homens como mulheres, que levam em conta apenas o treinamento esportivo. Nas Olimpíadas de 2016, existe a possibilidade do pole dance ser classificado como uma modalidade específica, dependendo ainda da aprovação do Comitê Olímpico Brasileiro.


Lara adora praticar pole kids. Com cinco anos, exibe boa flexibilidade. Foto: Edu Cesar


O trabalho realizado com as crianças, por exemplo, é focado exclusivamente no esporte, assim garante a instrutora Nath Diniz, da Escola Internacional de Pole Dance, em São Paulo. Durante a aula, os alunos aprendem a escalar a barra fixa de ferro e a se sustentar apenas com a força das pernas, sem as mãos.

A barra giratória é a favorita das crianças. Nela, é possível fazer manobras como o “bumerangue”, girando em torno da barra diversas vezes. É quando Lara mais se diverte, deslizando como se pesasse menos do que uma pluma.


Olhar atento

Todas as performances da pequena acontecem sob os olhares atentos da mãe, Ana Carolina de Castro, e da instrutora. Ana Carolina é atleta da modalidade há mais de um ano e já participou do Campeonato Brasileiro de Pole Dance. Lara sempre observou os treinos da mãe, mas só começou a praticar de verdade há alguns meses, quando Ana Carolina instalou uma barra profissional em casa.

“Para ela, é pura diversão, nada mais que isso. Ela se sente superconfiante quando consegue fazer uma posição mais difícil e me mostra os bracinhos musculosos”, conta Ana Carolina. Lara treina na escola sempre aos sábados, por uma hora. Em casa, a mãe pega mais leve e só passa exercícios duas vezes por semana.

Gabriely, de sete anos, também tem energia de sobra para escalar e se sustentar na barra de ferro, só com a força das pernas. Ela ainda se sente insegura em relação às posições mais radicais, como quando é segurada de ponta cabeça pela instrutora, na barra vertical.


Lesão

As meninas sempre contam com o apoio da instrutora para arriscar acrobacias mais perigosas. Nath Diniz, que trabalha com pole dance especializado em fitness há mais de quatro anos, se divide entre as alunas para deixá-las confiantes.

Nessa faixa etária, até os sete anos, elas têm receio de se machucar. Todo cuidado é pouco porque o corpo das crianças ainda está em desenvolvimento”, alerta a instrutora.

Por isso, o aquecimento é fundamental. As alunas flexionam braços, pernas e correm pela sala de exercícios. O alongamento de verdade só é orientado pela instrutora no final da aula de pole, quando o corpo está aquecido. Mesmo com os cuidados, alguns machucados acabam sendo inevitáveis. 

“Nenhum esporte tem zero risco de lesão, seja para adultos ou crianças. Os pais devem estar conscientes disso para evitar a superproteção dos pequenos. Nessa idade, eles têm um poder de recuperação imenso. Quanto mais estimularmos esse senso de independência nos filhos, maior será a autoconfiança deles”, pondera Jomar Souza, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Para a pediatra Wylma Hossaka, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, os pais devem verificar se há equipamentos de proteção ao redor da barra, como colchonetes, para amortecer possíveis quedas.

”Outra ressalva é em relação a lesões da fibra muscular ou deslocamento da cartilagem. Isso pode prejudicar o crescimento infantil. Se a criança reclamar de dores musculares ou nas articulações, pode ser um sinal de que o treino está muito puxado e é hora de parar”, observa a especialista.

Como em qualquer outra atividade física, o corpo sente os esforços e responde. Com a melhora do condicionamento físico, as alunas ganham mais resistência, flexibilidade e equilíbrio. Os músculos também ficam tonificados.

A flexibilidade, porém, não é garantia de força. O corpo das crianças ainda não aguenta movimentos pesados. Por isso, treinos de força ficam para pré-adolescentes e adolescentes.


Sensualidade

Lara e Gabriely encaram as aulas de pole com a inocência típica das crianças. Não se incomodam com os cabelos bagunçados ou as performances atrapalhadas, que nunca saem exatamente iguais às da instrutora. De sensual e erótico, as aulas não devem ter nada.

Hoje, os pequenos têm um acesso facilitado à informação. Então, podem tentar reproduzir durante a aula alguns movimentos mais sensuais. Cabe aos adultos e aos profissionais colocarem um limite no pole kids. A linha que separa o esporte da sensualidade é muito tênue e merece atenção”, acredita Wylma Hossaka.

Nath Diniz acredita que existe muito preconceito em torno do pole dance, até mesmo com os adultos. Para ela, o segredo está no cuidado com o preparo das aulas, para evitar que qualquer atitude mais sensual seja imitada pelas crianças. Até mesmo a seleção musical escolhida é diferente, com hits infantis que fazem parte do cotidiano dos alunos.

Tatiane Dantas da Cruz, mãe de Gabriely e praticante do pole dance tradicional, não precisou lidar com comentários negativos quando resolveu inscrever a filha nas aulas temáticas. Ana Carolina, mãe de Lara, não teve a mesma sorte.

“Quando eu comecei a fazer pole dance, as pessoas ficaram chocadas. Perguntavam como é que meu marido lidava com isso. Foi ainda pior quando viram que a Lara começou a fazer aulas de pole kids. Algumas pessoas me disseram que era um absurdo permitir que uma criança fizesse essa ‘coisa de adulto’”, lembra Ana Carolina.


De quem é a barra?

Apesar das críticas e rótulos, a instrutora faz questão de ressaltar que o esporte tem aspectos positivos que vão além do preparo físico. A socialização é um deles. As crianças são colocadas em pares nas barras, para se revezar entre os giros e as performances com escalada. É aí que elas aprendem a respeitar o momento da outra pessoa.

Esse lado social ficou bem mais evidente em Gabriely depois que as aulas de pole começaram, acredita a mãe. “Antes, ela tinha vergonha de tudo, até de falar. Agora, está bem mais comunicativa, interagindo com as outras pessoas e crianças”, explica Tatiane.

Fonte: iG


Comentário BQP:  Mais uma obra de engenharia social para a campanha pró-pedofilia. Nos anos '90 as crianças dançaram Na Boquinha da Garrafa, até mesmo na televisão. Isso por acaso tornava a dança algo inocente? Que palhaçada. É questão de tempo até a pedofilia ser descriminalizada e os pais insatisfeitos serem chamados de "preconceituosos" ou, talvez, "pedofóbicos"; ou, talvez,  os "intolerantes" pais serão acusados de serem "contra o amor livre", ou termo similar. No ritmo que anda, a coisa não vai demorar tanto pra acontecer.



Palavras-chave: engenharia social ; agenda da pedofilia ; descriminalização da pedofilia ; legalização da pedofilia ; pedofilia no brasil ; nova ordem mundial ; direitos humanos ; liberalismo ; comportamentos sociais ; pedófilos



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sábado, 2 de agosto de 2014




A distração crônica – uma das maiores ameaças de nosso tempo – pode ser caracterizada como uma condição passiva na qual um homem habitualmente se alimenta de estímulos externos, como se eles por si só pudessem constituir um fim suficiente para a existência humana. É um estado que viola um princípio fundamental: a obrigação de limitar e assimilar seu próprio “alimento mental” através do exercício de um poder determinado – o mesmo poder, de fato, que nos torna humanos

O mais assombroso não é que essa condição de gula e indigestão mental não seja salutar, mas que possa ser tolerada frequentemente com tão grande facilidade. A explicação para esse desconforto aparente reside no fato de que a distração, depois de certo tempo, leva a uma dissipação das energias mentais e a uma redução correspondente dos níveis de concentração, de tal forma que o processo em si mesmo cria a insensibilidade necessária. As percepções sutis, esses vislumbres de reinos transcendentes aos limites estreitos do universo convencional, são a primeira coisa a desaparecer. Longe de ser um mero empobrecimento, esse evento não anunciado significa a perda de nossa inteligência mais elevada, de nossa liberdade real e, em certo sentido, de nossa humanidade

Entre os inúmero fatores em nossa civilização contemporânea, que tendem a agravar esse problema, o primeiro lugar deve ser dado aos meios de comunicação de massas, e especialmente à televisão, cujo impacto sobre a disposição e a vida mental do público em geral é virtualmente incalculável. Só precisamos considerar a profusão de entretenimento, notícias, propaganda, tragédia, vulgaridade e pura fofoca que essa verdadeira caixa de Pandora libera aleatoriamente em cada casa, para maravilhar-nos sobre como o público foi capaz de sobreviver a essas incursões sem sofrer uma perda completa da sanidade! Alguns dizem que as plantas podem ser mortas por uma overdose de rock , e podemos assumir que se um animal pudesse ser forçado a se interessar por uma avalanche similar de estimulação desarmônica, colapsaria imediatamente. E ainda assim o homem parece florescer com tal ração.

Em face aos graves perigos, especialmente para a vida espiritual, resultantes dessa dominação sem precedentes da sociedade pela mídia, surpreende-nos quão pouco as lideranças cristãs buscaram avisar os fiéis. Ainda que o ato de ingestão de programas de TV a base de vintes e três horas por semana possa não implicar em si mesmo, digamos, um pecado venal, seria necessária uma falta monumental de perspicácia para se concluir que tal estilo de vida é compatível  até mesmo com um mínimo de espiritualidade! Deixando de lado o conteúdo efetivo desses programas – ao qual voltaremos na última parte – gostaríamos de apontar neste artigo que a dispersão em si mesma é categoricamente oposta ao ethos Cristão. E o é de tal forma que o problema a nos confrontar toca o próprio coração da doutrina cristão.

Consideremos as palavras de Cristo em Mateus 12:30:  quem comigo não ajunta, espalha. Agora, de acordo com a interpretação tradicional, quem não ajunta comigo significa Satã, e o que está sendo espalhado é a coletividade das almas humanas. Assim como as ovelhas são espalhadas por um lobo predador, também as almas são espalhadas pelos incontáveis atalhos do erro, que divergem em todos os sentidos da única verdade central. Mas há também outra interpretação, mais diretamente relacionada ao nosso tópico, de acordo com a qual quem comigo não ajunta é o próprio homem, na medida em que tenha divergido do caminho da salvação, e o que é espalhado é sua alma, ou melhor , os múltiplos poderes de sua alma. Nos caminhos desse mundo, esses poderes se dispersam indefinidamente, como um monte de poeira lançado ao ar.

Nesta perspectiva, aquele que ajunta com Cristo é também o que entra pela porta estreita(Mateus 7:13), o mesmo que passa pelo caminho apertado , que leva até a vida. De fato, o caminho apertado e a porta estreita sugerem a idéia de concentração, de ajuntamento de muitas coisas em uma só, assim como a porta larga e o caminho espaçoso sugerem expansão ou dispersão. Os adjetivos espaçoso e largo podem,portanto, ser uma referência não simplesmente à escassez ou abundância respectiva de viajantes, mas também à condição da alma enquanto viaja por cada um desses caminhos. Para substanciar essa interpretação, observemos que a porta estreita corresponde evidentemente ao buraco de agulha na parábola do homem rico, que achava difícil entrar no reino dos céus. Agora, quem é esse homem rico, e qual é a natureza dessas possessões, que obstruem sua entrada? A resposta é dada pelo próprio Senhor quando Ele diz, “Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. Aqui somos informados de que a pobreza através da qual alguém pode passar pela porta estreita – também passar através do buraco de agulha – é uma pobreza espiritual, uma pobreza referente à condição da alma. De fato, não pode haver dúvida de que nossa alma, em seu presente estado, é eminentemente comparável ao homem rico. E por isso, ao escutarem essa parábola, os discípulos de Jesus ficaram excessivamente assustados, dizendo, “ Quem então pode ser salvo?” Eles ficaram profundamente preocupados, pois presumivelmente entenderam em seus corações que aquilo que foram chamados a atingir era humanamente impossível. Então nosso Senhor lhes confortou, e a nós, acrescentando que para Deus todas as coisas são possíveis. Através de mais encorajamento, Ele nos fez entender que aquelas possessões interiores, as quais todos que seguem Cristo devem abandonar, são na verdade um fardo para a alma. Por elas nós trabalhamos e ficamos sobrecarregados, e disso somos liberados quando andamos nas pegadas de Cristo. Porque meu jugo é suave, e meu fardo leve (Mateus 11:30).

O abandono de tudo que é estranho à essência da alma não é somente uma purificação e uma catarse, mas é também, ao mesmo tempo, um ato de descanso e concentração, através do qual os poderes espalhados da alma são recolhidos de todas as direções, para serem reintegrados no centro luminoso de qual irradiaram. Esse centro é o coração místico do qual os profetas e os santos falaram, o templo interno onde Deus reside em segredo, e é ,em última instância, o oratório ao qual Cristo alude em Mateus 6:6, quando Ele nos exorta: entra no teu aposento e, fechando a porta, ora a Teu pai que está em secreto. Finalmente, esse abrigo íntimo de nossa alma é também a porta estreita que leva ao Reino de Deus. Pois como São Isaac da Síria escreveu “Tenta entrar em tua casa do tesouro interior e verás a casa do tesouro dos céus. Pois uma e a outra são a mesma, e uma e a mesma entrada revela as duas.

O contexto de Mateus 6:6, no entanto, não deixa dúvidas de que a idéia de entrada no santuário interior deve admitir graus, de forma que muito antes que a perfeição completa da santidade seja atingida, nós, que ainda estamos sujeitos à corrupção do mundanismo, possamos experimentar um descanso parcial, e alguns momentos de repouso espiritual. “Nós podemos transformar nosso coração em um oratório”, escreve o Irmão Lawrence em seu estilo simples e doce, “ onde nos retiramos de tempo em tempo para conversar com Ele em sua mansidão, humildade e amor. Todos são capazes dessa conversação familiar com Deus, alguns mais, outros menos”. Quanto mais profunda e habitual essa conversação se tornar, mais harmoniosa e frutífera também será nossa vida exterior. Na verdade, o grande segredo é levar a paz e interioridade da contemplação até a vida ativa, para que estivermos onde estivermos, ou qualquer que seja a tarefa que nos chamar, permaneçamos concentrados, com nosso olhar interno fixo em Cristo.  É nesse estado, quando seus olhos forem bons (Lucas 11:34), que um homem realiza seu grande trabalho, ou melhor, é nesse estado que nosso trabalho é santificado, pois então nós obramos as obras de Deus(João 6:28).  Tendo iluminado uma candeia ao acender nossa alma com o amor de Deus, somos exortados pelo Próprio Cristo a colocar essa candeia ardente sobre o candelabro, para que os que entram vejam a luz. (Lucas 11:33).

Dessa reflexão sobre os ensinamentos de nosso Senhor emerge o fato de que a vida cristã é necessariamente oposta a tudo que espalha e dissipa os poderes da alma, a tudo, em outras palavras, que atrais o homem para longe de seu centro, que o faz esquecer Deus.  O que está em jogo aqui, seja dito, vai muito além do “pecado” ou da “concupiscência da carne”, ou pelo menos da forma como esses termos são ordinariamente compreendidos. Pois existe um tipo de tendência pecaminosa, um modo sutil de concupiscência, inerente a nossa natureza sensorial e imaginativa, que como uma voz clamorosa perturba e agita com sua tagarelice incessante. Apesar de toda sua inocência enganosa, esse “demônio da distração” interior pertence à herança infernal que chegou até nos como consequência do pecado original. “O que mais é a iniquidade,” declara Santo Agostinho, “ senão um desvio da vontade de Vós, Ó Deus, que é a Suprema Substância:  ela joga fora o que é mais interior e incha gananciosamente pelas coisas exteriores. Como é expressiva essa frase “incha gananciosamente”, pois em verdade essa paixão pelas coisas exteriores realmente incha a alma excessivamente, como podemos aprender do camelo na parábola do Evangelho.

O crescimento em “massa” é ao mesmo tempo uma dispersão das energias psíquicas, como já foi apontado anteriormente, assim como um aumento das magnitudes espaciais no caso de uma expansão centrífuga envolve uma dispersão concomitante do raio concêntrico. De acordo com essa analogia, o movimento característico da vida espiritual é contrativo e centrípeto, um recolhimento em um ponto central, o qual, não tendo magnitude, é , de fato, como um grão de mostarda (Mateus 13:31). Aqui, na menor de todas as sementes, repousa escondida a realidade eterna de tudo que pode ser encontrado através da vastidão do espaço cósmico, e na verdade, de tudo que já foi e tudo que será.  Verdadeiramente, todas essas coisas vós serão acrescentadas, e nada vós será impossível (Mateus 6:33, 17:20).

É, no entanto, a tragédia do homem decaído que ele não tenha “fé como um grão de mostarda, pois como Santo Agostinho lamenta, nossa fé está nas “coisas exteriores”. Essa é a situação deplorável e perversa, da qual devemos nos libertar, com a ajudar de Deus Todo-Poderoso. “A perfeição da alma,” declara Mestre Eckhart, “ consiste na libertação da vida que é parcial e a admissão à vida que é completa.  Tudo o que está espalhado nas coisas inferiores é recolhido e ajuntado quando a alma se eleva até a vida onde não há oposições”. O que presentemente conhecemos por experiência é aquela “vida que é parcial”, uma vida dispersa, se assim podemos dizer, por uma infinitude de momentos temporais, e limitada em cada ponto pelos opostos inescrutáveis do passado e do futuro.  A outra vida nos não conhecemos, pois não é manifesto o que devemos ser (João 3:2). Entre as duas existe uma ponte, e esta ponte é Jesus Cristo. É ele que ajunta tudo o que está disperso nas coisas inferiores, e é através Dele que alma se eleva até a vida eterna. Mas permita-nos relembrar isto também:  aquele que comigo não ajunta, espalha.

Idealmente, essa concepção de comunhão com Cristo implica nada menos que uma total integração de nossa vida através da lembrança incessante de Deus. Como os Tessalonicenses, nós também somos chamados a rezar sem cessar, e isso a despeito da enormidade de nossas incapacidades. Não esqueçamos nunca, em Deus todas as coisas são possíveis – e mesmo que se admita que o objetivo é quase inatingível, isso não legitimaria o tipo confortável de Cristianismo “meio-período” que está em alta demanda, não mais do que a afirmação de São João de que todos os homens são pecadores pode ser tomada por uma legitimação do pecado. Independentemente do que qualquer um possa sentir sobre o assunto, permanece o fato de que não bastará, seguindo os costumes de Penelope, reunir-se com Cristo em ocasiões especiais, somente para espalhar com o mundo todo o tempo restante. Para um vislumbre do que significa seguir Cristo na prática, nós devemos consultar as vidas e ensinamentos dos santos, não esquecendo que – longe de serem anormais – os santos são em verdade as únicas pessoas completamente sãs nesta terra. Apesar de nossos sentimentos democráticos, somos obrigados a admitir que as opiniões da maioria têm pouco peso quanto se trata do Reino de Deus, pois como o Próprio Senhor declarou, são poucos, e não muitos, os que conhecem o caminho estreito, que leva até a vida. Não sejamos enganados então por ensinamentos diluídos, não importando quão vociferante for sua proclamação, lembrando que é muito melhor mirar alto e fracassar do que negar o ideal desde o princípio ao rebaixá-lo. A despeito da interminável propaganda sobre “reformas”, os ideais cristãos continuam intocáveis, e se acontecer desses ideais não se conformarem ao espírito dos tempos, pior para a civilização que os abandonar!

Na realidade, nada poderia ser mais certo, ou mais auto evidente, do que a oposição do espírito desse mundo ao Cristianismo, assim como a do próprio Cristianismo ao espírito desse mundo. De fato, quem poderia ler o Evangelho segundo São João, por exemplo, e ainda assim ter dúvidas sobre isso? Pois Cristo estava certamente falando para todos nós – a todos que seriam verdadeiros Cristãos – e não só aos Seus discípulos imediatos, quando disse: Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim. Se vós fósseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Não podemos deixar de nos perguntar, as vezes, se essas palavras ainda estão sendo lidas, ou se ainda são levadas a sério. Talvez algum estudioso erudito, sob a inspiração de um Teilhard de Chardin ou um Hans Kung, tenha persuadido seus pares e estudantes de que essas palavras pertencem a uma fase anterior da “ história da salvação”, ou que porventura elas não atingem os critérios exigentes da moderna crítica textual! O que mais, deveras, poderia ter calcado o caminho para pretensas teologias, nas quais a inspiração de Darwin , Freud ou Marx , digamos,  pode ser mais apreciada do que o ensinamento de Cristo.

Uma das principais fontes de autoridade em que estas “teologias do progresso” supostamente se sustentam é a ciência moderna, começando pela física cosmológica. Mas aqui, também, temos espaço para questionamentos. Pois o que a ciência nos revela nos termos mais inequívocos é um panorama de mudança contínua, um universo Heracletiano no qual todas as coisas estão irremediavelmente em um estado de fluxo. Isso é verdadeiro, além disso, até mesmo para o universo como um todo, o espaço cósmico em si mesmo, do qual é dito constituir-se de uma hiperesfera em expansão, uma bolha tridimensional, cujo raio está aumentando à velocidade da luz. Apesar de o centro dessa hiperesfera, o ponto central a partir do qual o cosmos inteiro está decaindo em tal incrível velocidade, não estar em qualquer lugar do espaço físico, ele pertence ,de qualquer forma , ao limite matemático do espaço-tempo de quatro dimensões. A partir dessa perspectiva, que é essencialmente o ponto de vista da cosmologia relativista, o cosmos se aparenta uma onde esférica expansiva se expandindo para fora, para longe do centro primordial, em direção à periferia do ser, o limite último ou circunferência, aonde a existência como tal chega a um fim. Uma imagem similar emerge no domínio biológico, pois vemos que a vida está inevitavelmente associada com a assimilação e o crescimento, que são modos da expansão, e todo processo vital move-se inexoravelmente em direção a uma periferia, na qual termina em morte. A Ciência nos provê pelo menos com uma grande certeza: tudo o que pertence a este mundo, desde as partículas elementares até as culturas e civilizações, passará; nada permanece.

Contra esse panorama, no contraste mais incisivo concebível a essa lei aparentemente inexorável, ergue-se o Cristianismo com sua incrível reinvindicação, a reinvindicação da religião: a grande lei deste mundo pode ser quebrada, sua tendência irresistível pode ser dominada, a própria morte pode ser conquistada vitoriosamente! Mas o caminho que leva a essa conquista é estreito e difícil de ser cruzado – como a ponta de uma lâmina, declara um antigo texto Oriental! –pois não é o caminho das riquezas, mas da pobreza; não do prazer, mas da Cruz. Como a própria palavra indica, religião (re + ligare) é de fato uma “religação”; religação, isto é, ao Centro perdido, à Origem perdida, de volta a Deus.

O espírito de nosso tempo, ou o que também pode ser chamado de “mundo moderno”, é , fundamentalmente, nada menos que o mundo, no sentido Bíblico já mencionado, mas que agora se manifesta completamente. É o mundo enfim se glorificando em suas próprias possibilidades, desembaraçado de qualquer escrúpulo intelectual sobre a transcendência, ou de qualquer nostalgia restante de um paraíso perdido. É o mundanismo alimentando-se de si mesmo, organizado e mobilizado; de fato, é o mundanismo elevado à enésima potência , preparando-se para o ataque final contra os últimos bastiões remanescentes da religião autêntica – contra Ele que ousou dizer, Eu venci o mundo.

Como conclusão, gostaríamos de tocar uma vez mais no tema da mídia, mesmo que seja somente porque o impacto da mídia sobre nossas vidas assumiu proporções pantagruélicas Até mesmo as estatísticas nuas nos dizem isso: apenas com a TV, vinte e três horas por semana nos Eua, e de acordo com uma pesquisa britânica, oito anos de vida. Oito anos retirados daquele resquício precioso de vida que resta depois do trabalho monótono do escritório e da fábrica, ou depois do agregado potencial de diversão que poderia ser dedicado a coisas mais elevadas, e acima de tudo, ao crescimento espiritual.

Em conexão com isso gostaríamos de indicar um livro penetrante e brilhante, publicado em 1977 sob o título significativo de “Cristo e a Mídia”, por Malcom Muggeridge, jornalista veterano e celebridade televisiva da BBC. O livro é baseado em três palestras proferidas em Londres, e eis como Muggeridge começou: “ É um truísmo dizer que a mídia em geral, a TV em particular, e a BBC especificamente, são incomparavelmente a maior influência singular em nossa sociedade atual, exercida em todos os níveis sociais, econômicos e culturais. Essa influência , devo adicionar, é , em minha opinião, exercida de forma irresponsável, arbitrária, e sem referência a qualquer referência moral, intelectual e muito menos espiritual.

Ademais, se é o caso, como eu acredito, de que aquilo que ainda chamamos de civilização Ocidental está se desintegrando rapidamente, então a mídia temo um importante papel no processo ao levar a frente, apesar de fazê-lo inconscientemente na maior parte do tempo, uma poderosa operação de lavagem cerebral, através da qual os padrões e valores tradicionais estão sendo denegridos até desaparecerem, deixando um vácuo moral no qual os próprios conceitos de Bem e Mal deixaram de ter validade”.

A mídia reflete a mentalidade nossa era. É disso que ela se alimenta, é o que ela amplifica mil vezes com a ajuda de uma tecnologia incrível, e eventualmente retransmite para um mundo de espectadores. Tendo emprestado uma voz e um corpo eletrônico para a mente coletiva, para assim dizer, ela avança impondo essa mentalidade ao público com uma força e uma fúria sem precedentes. Certamente Muggeridge não exagera ao notar que os historiadores futuros nos verão “ como criando na mídia um monstro Frankenstein que ninguém sabe como controlar e direcionar, e se espantarão sobre como submetemo-nos tão docilmente a sua influência destrutiva e muitas vezes maligna.

É interessante que Muggeridge veja a mídia principalmente como um fabricante de fantasias. Através do tubo de TV nos fugimos para um reino inventado, uma terra de conto de fadas, que mais e mais usurpa o lugar da realidade em nossas vidas. “A impressão prevalente que eu tenho da cena contemporânea é a de um abismo sempre em expansão entre a fantasia que a mídia nos induz a desejar viver, e a realidade de nossa existência como imagem de Deus, como residentes temporários cujo habitat verdadeiro é a eternidade.”. Como um observador astuto, que passou a maior parte de sua vida nos bastidores da mídia, e que atravessou e reatravessou inúmeras vezes esse “abismo”, Muggeridge conhece muito bem o seu tema.  “O abismo está lá, está se alargando em uma velocidade acelerante e os valores estão sendo denegridos até desaparecerem...” Isto constitui um dos maiores problemas a confrontar o Cristianismo hoje, ainda mais por ser insuficientemente reconhecido.


Tradução: Murilo Resende Ferreira