É entretanto a evolução de sua família que é o mais revelador. Embora sua família não tenha nada a ver com a investigação principal, a série gasta uma grande quantidade de tempo descrevendo a sua evolução. Mais do que um simples "desenvolvimento de personagens", a família Hart representa como os cidadãos comuns são, no fim das contas, afetados pela psicosfera imunda e a depravação moral dos que os governam.
Apesar de a filha de Marty Audrey aparentemente não ter conhecimento ou contato com aqueles que conduzem os rituais, ela, não obstante, parece ser profundamente afetada por isso. Como visto acima, Marty encontrou a filha brincando com bonecos que parecem recriar o "pentagrama de homens". Mais tarde, seus pais encontram um livro cheio de desenhos perturbadores.
Um dos desenhos sexuais de Audrey mostra um homem mascarado tocando uma mulher que tem mãos amarradas atrás das costas.
Em outra cena, as meninas de Marty são vistas vestindo uma tiara com fitas – que lembra a coroa de chifre satânica com fitas colocadas nas vítimas durante os rituais.
A tiara acaba em uma árvore, não muito diferente das vítimas dos rituais.
A psicosfera imunda parece afetar o comportamento de Audrey e até sua alma. O avô prediz o futuro dela ao falar com Marty sobre "as crianças de hoje".
"Tenho visto as crianças de hoje. Todas de preto, maquiagem nos rostos. Tudo é sexo."
Enquanto Marty basicamente descartou essas palavras como divagações de um velho, Audrey eventualmente cresce e se torna exatamente o que o seu avô disse.
Audrey vestida de preto, com maquiagem no rosto. Nesta cena, ela foi pega pelo pai fazendo sexo com dois caras em um caminhão, fazendo com que Marty a chamasse de "vagabunda".
A transformação de Audrey de uma menina inocente numa adolescente promíscua representa como a depravação e imoralidade da elite ocultista acaba afetando toda a população. Apesar de não ser vítima direta da elite ocultista, ela é uma vítima indireta por meio do ambiente imundo dentro do qual ela cresce. Mais tarde descobrimos que, já adulta, Audrey "às vezes se esquece de tomar suas pílulas", dando a entender que ela tem problemas mentais e que era indiretamente traumatizado por este contexto. Portanto, por diversos meios, a série mostra como a psicosfera é propositadamente alterada para criar uma geração que é moralmente perdida.
Agora vejamos o grupo secreto que está por trás disso tudo.
A espiral – Representando a "vida real" da elite ocultista
À medida que a investigação avança, os detetives descobrem um grupo de "homens ricos" sacrificando crianças. Eles também estudam a mitologia em torno.
"Há um lugar ao sul onde todos esses homens ricos vão para adorar ao diabo. Eles sacrificam crianças e outros. Mulheres e crianças todas foram assassinadas lá e tem algo sobre um lugar chamado Carcosa e o Rei Amarelo. Ele disse que há tudo isto, tipo, pedras antigas na floresta onde as pessoas vão para, tipo, adoração. Ele disse que há tanta matança boa lá embaixo. A espiral – esse é o sinal deles."
Logo descobrimos quem está por trás desses rituais: A elite de Louisiana, membros de uma linhagem sanguínea antiga, a família Tuttle. Como texano, Cohle rapidamente descobre que um membro da família Tuttle é o governador e outro lidera a Igreja – englobando, portanto, as esferas de poder que são a política e a religião.
Ao descobrir que os rituais são basicamente um assunto de família, os detetives começam a construir a árvore da família Tuttle.
Depois que os detetives capturam o caipira enlouquecido, a câmera foca sinistramente numa árvore isolada – uma árvore que é vista diversas vezes ao longo da série. Com as raízes firmemente presas ao solo Louisiana, esta árvore representa a linhagem da família que governa a região.
Os detetives descobrem que os Tuttle são responsáveis por um grande número de crianças desaparecidas que foram abusadas e mortas em um sacrifício ritual. Como a família é extremamente poderosa, os que garantem a lei e a mídia local ficam completamente silenciosos. A família pratica seu próprio tipo de voodoo de Louisiana misturado com o clássico abuso ritual satânico (SRA), como praticado pela ocultista. Embora a área de ação da família seja muito local, não é preciso calcular muito para entender que os Tuttles representam a elite ocultista que atualmente governa o mundo inteiro.
O gosto da espiral por rituais satânicos, tortura, controle mental e abuso de crianças representa as obsessões mais tenebrosas da elite oculta. Mesmo o símbolo espiral da série é de fato usado por redes de homens sombrios da vida real para divulgar secretamente suas "preferências". Aqui está um arquivo do FBI descrevendo os símbolos usados pelos "amantes de meninos". ("boy lovers")
Arquivo real do FBI descrevendo símbolos utilizados por redes de abuso infantil.
A espiral num crânio em Carcosa.
Em True Detective, os rituais da espiral estão encharcados de uma mitologia específica com forte inspiração na literatura de de ficção-científica/horror, particularmente a de H.P. Lovecraft.
A mitologia
Em True Detective, sacrifícios são feitos para o "Rei Amarelo", que é basicamente uma efígie de um deus cornudo e eles ocorrem em uma estrutura abandonada apelidada de Carcosa. A mitologia em torno da espiral toma emprestado muito da literatura de ficção científica, em particular O Rei de Amarelo (The King in Yellow), também conhecida como O Rei Amarelo (The Yellow King) de Robert W. Chamber, que menciona uma cidade perdida chamada Carcosa.
Ao longo da costa quebram ondas nebulosas,
Os sóis gêmeos mergulham sob o lago
As sombras se alongam
Em Carcosa.
Estranha é a noite onde se erguem negras estrelas
E luas alienígenas circulam os céus
Mas ainda mais estranha é a
Perdida Carcosa.
Canções que as Híades entoarão,
Onde tremulam os farrapos do Rei,
Devem morrer inauditas na
Obscura Carcosa.
Canção de minha alma, falece a minha voz;
Morre Tu também, muda, como lágrimas jamais vertidas
Secarão e morrerão na
Perdida Carcosa.
O termo Carcosa também foi usado por H.P. Lovecraft nos famosos Cthulhu Mythos. Por que tantas referências a H.P. Lovecraft na série? Seus trabalhos são muito reverenciados em vários círculos ocultistas e, considerando o fato de que a série é sobre assassinatos ritualísticos satânicos, faz sentido.
H.P. Lovecraft
Enquanto Cthulhu Mythos de H.P. Lovecraft é geralmente considerada uma obra ateísta de ficção quase satírica (é sobre deuses alienígenas monstruosos), ela ganhou, no entanto, grande notoriedade com sociedades com uma visão de mundo mais metafísica. Por exemplo, o livro Os Rituais Satânicos de Anton LaVey inclui um capítulo intitulado "A Metafísica de Lovecraft".
Os Rituais Satânicos considera que Lovecraft é um canal de tipos para "poderes invisíveis": "Se suas fontes de inspiração eram reconhecidas conscientemente e admitidas ou eram uma notável absorção 'psíquica', só se pode especular." Os rituais consistem em evocar nomes dos Cthulhu Mythos, juntamente com o inevitável "Hail Satan", numa cerimônia falsa evocando a elaborada proclamação e resposta da comunidade da Missa Católica.
- Dennis P. Quinn, Cults of an Unwitting Oracle: The (Unintended) Religious Legacy of H. P. Lovecraft
Kenneth Grant, um ocultista que era um membro proeminente da sociedade secreta de Aleister Crowley Ordo Templi Orientis (OTO) escreveu extensivamente sobre a importância das obras de Lovecraft.
Segundo Grant, escrevendo em 1980, Lovecraft deve ser louvado por suas habilidades de "controlar a mente sonhadora que é capaz de projeção em outras dimensões." É sabido que muitas vezes Lovecraft obteve inspiração para suas histórias em seus sonhos. Para Grant, Lovecraft recebeu conhecimento arcano efetivo nos sonhos, que foi, então, expresso através dos Cthulhu Mythos. Grant inspirou muitos mágicos, alguns dos quais se deslocaram mais para o reino dos escritos de ficção de Lovecraft.
- Ibid.
As obras de Lovecraft são, portanto, altamente consideradas pelos grupos ocultistas ou satânicos que estão fortemente determinados a praticar rituais. Alguns símbolos associados a estas sociedades aparecem durante a série.
Reggie Ledoux, um dos culpados (está mais para bode expiatório) de executar rituais tem uma tatuagem de Baphomet dentro de um pentagrama invertido – o sigilo da Igreja de Satanás (Chuch of Satan).
Embora os detetives tenham capturado e matado Reggie Ledoux, acabaram por descobrir que as mortes ainda estão acontecendo. Mesmo no final da série, quando os detectives colocam as mãos em Errol Childress (o caipira louco estereotipado) há indícios que sugerem que ele não é o verdadeiro culpado – ele é apenas um bode expiatório.
Errol Childress – Bode expiatório da elite
Ao investigar a família Tuttle, os detetives descobrem que o reverendo tem filhos de uma amante. Um deles é Errol Childress, um "filho bastardo" que era mal tratado. Na verdade, tudo sobre ele indica que ele seja vítima de um culto satânico de várias gerações.
Errol tem cicatrizes no rosto porque foi desfigurado por sua família quando era criança.
Nesta cena importante vemos que o símbolo espiral foi queimado na pele de Errol, como se ele houvesse sido "marcado" pelo símbolo. Em suma, ele não é o chefe do clube, ele está mais mais para uma vítima traumatizada.
No final de um episódio, Errol diz de modo horripilante: "Minha família está aqui há um longo, longo tempo." e em seguida começa a cortar a grama em padrão espiral. Isso representa simbolicamente como tudo que a elite ocultista faz está à vista – para aqueles que têm "olhos para ver". Também mostra como Errol é obcecado por este símbolo e foi programado por ele.
O programa fornece várias pistas que apontam para o fato de que Errol Childress é realmente uma vítima de controle mental baseado em trauma. Primeiro, ele fala com sotaques diferentes - um sintoma clássico de pessoa com múltiplas personas. Errol alterna de forma eficaz entre um sotaque típico da Louisiana e um sotaque britânico distinto. O conteúdo da sua casa também é bastante revelador.
A casa de Errol está cheia de bonecas (muitas das quais estão decapitadas). Essas bonecas não só aumentam o fator "arrepio", elas são um símbolo clássico para representar múltiplas personas criadas através de controle mental.
Na seqüência de abertura do programa, o rosto de uma criança projetado em um telefone (o da casa de Errol). O discador está sobre a cabeça da criança, uma maneira de retratar como vítimas da espiral são controladas mentalmente.
Enquanto seu pai é uma das pessoas mais ricas e mais respeitadas em Louisiana, Errol vive num barraco imundo com uma meia-irmã igualmente imunda, com quem copula. Em outras palavras, Errol claramente não é parte da "elite", mas um subproduto ilegítimo dela. Ao mesmo tempo em que ele é o último "cara mau" da série, fica bastante claro que é simplesmente outra vítima da espiral. Mesmo pessoas que trabalharam para a família foram vítimas.
Quando os detetives visitam Delores Jackson, uma ex-empregada que trabalhou para os Tuttle, também vemos sinais de controle da mente.
Apesar de Delores ter ficado mentalmente doente e geralmente sem sensibilidade para reagir (como se ela fosse traumatizada na vida), fica muito animada quando Rust mostra a ela suas imagens de redes do diabo – como se fossem imagens-gatilho.
Ela começa, em seguida, recitar frases como se estivessem programadas nela.
"Você conhece Carcosa? Aquele que come o tempo. Dele vestes, é um vento de vozes invisíveis. Alegrai-vos! A morte não é o fim!"
Por isso, está muito claro que as pessoas reais por trás da espiral nunca foram capturadas na série. A série terminou do mesmo jeito que as histórias da vida real envolvendo a elite ocultista muitas vezes terminam: Um bode expiatório controlado mentalmente leva a culpa e morre, sem tocar nos verdadeiros culpados. Apesar de Errol ter de fato cometido crimes atrozes, ele era produto de um sistema mais profundo.
Quando os detetives finalmente encontraram e mataram Errol, eles são enviados para o hospital para curar os ferimentos.. Lá, ouvimos uma reportagem de TV afirmando:
"O Procurador Geral do Estado e o FBI têm desacreditado os rumores de que o acusado estava de alguma forma relacionado com a família do senador de Louisiana Edwin Tuttle."
Este pedacinho de informação confirma que a Procuradoria Geral do Estado, o FBI e meios de comunicação em geral, estão "em conluio" com a espiral porque eles estão usando desinformação para limpar o nome da família.
Rust então diz a Marty que, embora eles tenham capturado Errol Childress, o seu trabalho não estava completo.
"Os Tuttle, os homens no vídeo ... Nós não pegamos todos eles."
Ao que Marty responde:
"É, e nós não vamos pegar todos eles. Esse não é o tipo de mundo que é, mas pegamos o nosso."
A avaliação deprimente de Marty sobre "como o mundo é" basicamente significa que a verdadeira elite ocultista não é pega. Ao dizer "nós pegamos o nosso", ele quer dizer que pegaram o que eles deveriam pegar: O bode expiatório escolhido. Esta não é uma mensagem reconfortante sobre a elite ocultista, mas é a triste verdade.
Conclusão
A série verdadeiros detetives estimulou todos os tipos de discussões e teorias sobre a identidade do assassino. No entanto, além do "quem matou?" clássico, há uma mensagem constante comunicada ao longo de cada episódio. Trata-se de nossa sociedade, de quem governa e das forças invisíveis que nos influenciam. Trata-se da psicosfera, um conceito que é obscuro para a maioria de nós, mas que é, não obstante, extremamente importante nos círculos da elite do ocultismo. Através de mega-rituais amplificados pelos meios de comunicação de massa, a elite parece ativamente gerar choque, medo e desânimo na população em geral, cujos pensamentos, em seguida, são projetados de volta na psicosfera. Esta perturbação faz com que a raça humana viva em uma atmosfera tóxica, governada por símbolos e pensamentos específicos. Além disso, como retratado por Audrey em True Detective, uma psicosfera perturbada faz com que a sociedade um entre em colapso, torne-se imoral e obcecada com pensamentos tenebrosos. É com isso que se deleitam.
Apesar de tudo isso, a série termina com Rustin Cohle tendo uma epifania e "vendo a luz" porque, por um momento, ele viu o "mundo espiritual", onde sua filha morta esperava por ele.
Cohle percebeu que, para além deste mundo material, o que é governado por poderosas famílias sádicas, há outra dimensão – uma eterna – onde eles não têm poder algum.
Tradução: BQP
Fonte: The Vigilant Citizen