quinta-feira, 26 de junho de 2014



Maquiavel Pedagogo
ou o ministério da reforma psicológica


Pascal Bernardin




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Capítulo I
AS TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA



As técnicas de manipulação psicológica tornaram-se objeto, já há muitas décadas, de aprofundados trabalhos de pesquisa realizados por psicólogos e psicólogos sociais, tanto militares como civis. É às vezes difícil, e psicologicamente desconfortável, admitir sua temível eficácia. O objetivo deste capítulo consiste em chamar a atenção sobre tais técnicas, que frequentemente preferimos ignorar, deixando assim o campo livre àqueles que não temem utilizá-las.

Já há trinta anos que as técnicas de lavagem cerebral fornecem resultados notáveis. Desde então, elas têm passado por significativos aperfeiçoamentos e, atualmente, são ensinadas nos IUFMs de maneira semivelada. Ainda que brevemente, trataremos de apresenta-las aqui, pois elas nos permitem perceber os verdadeiros riscos por trás da querela dos IUFMs e da introdução dos métodos pedagógicos ativos. Tais técnicas apóiam-se essencialmente sobre o behaviorismo e a psicologia do engajamento.8


A submissão à autoridade

Em uma série de experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. Milgram9 repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas que foram reproduzidas em numerosos países. Os resultados obtidos são indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, obviamente, o status real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer relação com a organização da experiência. As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que acredita o professor – este é quem recebe, no início do experimento, uma descarga de 45 volts, para “assegurar-se de que o gerador funciona”. As reações que o colaborador deve simular são estritamente codificadas: a 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de agonia, depois do qual se cala completamente. É assegurado ao professor que os choques são dolorosos mas não deixam sequelas. O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu ermo, tratando de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor, o pesquisador lhe responde: “Queira continuar, por favor”; na segunda vez: “A experiência exige que você continue”; na terceira vez: “É absolutamente essencial que você continue”; na quarta e última vez: “Você não tem escolha. Deve continuar”. Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a experiência é encerrada.

O resultado da experiência é espantoso: mais de 60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que realmente estão administrando correntes de 450 volts. Em alguns países, a taxa chega alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão psicológica mas seguem, não obstante, até o fim.

Há algo, porém, ainda mais inquietante. No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras, enquanto as descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: “Esta é talvez a lição fundamental do nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição terrível.”10

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os professores davam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível.

A autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o colaborador pede que pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta deter a experiência ou denunciar o pesquisador. A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda que aquilo que os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente aceitável.

Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que podem modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida, que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática.


O conformismo

A tendência ao conformismo foi estudada por Asch,11 em sua célebre experiência. Ao sujeito avaliado, apresenta-se uma linha traçada sobre uma folha, além dela, três outras linhas de comprimentos diversos. Em seguida, se lhe pede para apontar, entre essas três linhas, aquela cuja medida é igual à da linha-padrão. Por exemplo: esta última mede quatro polegadas, enquanto as linhas que devem ser a ela comparadas medem, cada qual, três, cinco e quatro polegadas. À experiência estão presentes indivíduos associados ao pesquisador, que devem igualmente responder à questão. Estes, cujo papel real na experiência é ignorado pelo avaliado, dão, nos ensaios válidos, a mesma resposta errônea ou se opor à opinião unânime do grupo. A experiência é repetida diversas vezes, com diferentes linhas-padrão e linhas para comparar. Há ocasiões em que os colaboradores respondem de modo correto (ensaios neutros). Aproximadamente três quartos dos indivíduos realmente avaliados deixam-se influenciar nos ensaios válidos, dando uma ou várias respostas errôneas. Assim, 32% das respostas dadas são errôneas, mesmo que a questão não ofereça, naturalmente, qualquer dificuldade. Na ausência das pressões, o percentual de respostas corretas chega a 92%. Verifica-se também que os indivíduos conformistas, interrogados após a experiência, depositaram sua confiança na maioria, decidindo-se pelo parecer desta, apesar da evidência perceptiva. Sua motivação principal está na falta de confiança em si e em seu próprio julgamento. Outros conformaram-se à opinião do grupo para não parecer inferiores ou diferentes. Eles não têm consciência de seu comportamento. Assim, a percepção de uma pequena minoria de sujeitos avaliados foi modificada: seus membros enxergaram as linhas tais como a maioria as descreveu. Lembremos que o indivíduo não sofria qualquer sanção caso errasse ao responder, da mesma forma que, na experiência de Milgram, ninguém iria se opor a quem desejasse abortar a experiência.

Convém notar que, se um dos colaboradores dá a resposta correta, o indivíduo avaliado então se sente liberto da pressão psicológica do grupo e dá, igualmente, a resposta correta, resultado que ilustra bem o papel dos grupos minoritários. A realidade social, contudo, é para estes bem menos favorável, uma vez que as pressões ou sanções são aí muito mais intensas.


Normas de grupo

A célebre experiência de Sherif12 sobre o efeito autocinético evidencia a influência exercida por um grupo sobre a formação das normas e atitudes de seus membros. A experiência desenrola-se assim: tendo-se instalado um indivíduo, sozinho, em uma sala escura, pede-se lhe que descreva os movimentos de uma pequena fonte luminosa, a qual, na verdade, acha-se imóvel. O sujeito, não encontrando nenhum ponto de referência, logo começa a perceber movimentos erráticos (efeito autocinético). Após algum tempo, passa a considerar que a amplitude dos movimentos oscila dentro de um valor médio, que varia de indivíduo para indivíduo. Se, ao contrário, a experiência é realizada com vários indivíduos observando a mesma fonte luminosa e partilhando entre si suas observações, surge logo uma norma de grupo à qual todos se conformam. No caso de, posteriormente, um indivíduo ser deixado só, ele permanece, ainda assim conformado àquela norma de grupo. Tendo-se repetido a experiência, propondo agora ao sujeito outras questões ambíguas (estimativas de temperatura, julgamentos estéticos etc.), constatou-se que, quanto mais difícil era formular um julgamento objetivo, mais estreita se fazia a conformidade à norma de grupo.

Sherif generaliza esses resultados até “o estabelecimento de normas sociais, como os estereótipos, as modas, as convenções, os costumes e os valores”. Interrogando-se sobre a possibilidade de “fazer com que o sujeito adote [...] uma norma prescrita, ditada por influências sociais específicas”, ele submete o indivíduo em teste à influência de um companheiro prestigioso (um universitário), e logra obter que o sujeito ingênuo modifique sua norma e a substitua por aquela do companheiro de mais prestígio.


Pé na porta

Freedman e Fraser, em 1966,13 trazem à luz um fenômeno conhecido como pé-na-porta. Trataremos brevemente de duas de suas experiências.

Com a primeira delas, se buscava conhecer, em função de como era formulada a pergunta, o percentual de donas de casa dispostas a responder a uma enquete a respeito de seus hábitos de consumo. Estimando que tal enquete deveria ser longa e aborrecida, somente 22% aceitaram dela participar quando se lhes convidou a isso diretamente. Mas os autores, dirigindo-se a uma segunda amostragem, fizeram preceder à pergunta um processo preparatório bastante simples: três dias antes de formulá-la, telefonaram aos membros desse grupo, solicitando-lhes que respondessem a oito perguntas acerca de seus hábitos de consumo em matéria de produtos de limpeza. Quando, três dias mais tarde, se lhes pediu que se submetessem à mesma enquete que fora feita com os membros da primeira amostragem, a taxa de aceitação elevou-se a 52%. Chama a atenção o fato de que um procedimento tão simples possua tamanho poder.

Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.

Noutra experiência, os mesmos autores dividiram igualmente os participantes em dois grupos. Os membros do primeiro não foram submetidos a qualquer preparação particular. Aos membros do segundo grupo foi solicitado que instalassem, cada qual em seu jardim, uma grande placa – que chegava a encobrir parcialmente a fachada da casa – a qual recomendava prudência aos motoristas. Enquanto o percentual de aceitação, no primeiro grupo, foi de apenas 16,7%, no segundo esse percentual atingiu a marca de 76%. Ainda, convém notar que, contrariamente à pesquisa anterior, nesta, as duas experiências foram conduzidas por duas pessoas diferentes.

E não é só isso. A enorme disparidade entre esses percentuais, citados logo acima, foi obtida nos casos em que o adesivo também exortava os motoristas à prudência. A atitude era a mesma (ser favorável a uma conduta mais prudente), tanto no ato aliciador (fixar um adesivo) quanto no ato custoso (instalar em seu jardim uma placa sem graça). Acontece que, mesmo que essa condição não seja atendida, podem-se obter resultados bastante significativos. Convidando um terceiro grupo, não para colar adesivos que recomendassem uma postura prudente, mas para assinar uma petição para manter bela a Califórnia, os autores obtiveram uma taxa de aceitação de 47,4% contra – notemos esse valor – 16,7%, quando a demanda não foi precedida de nenhum ato aliciador. Nesse protocolo experimental, a atitude referente a esse ato aliciador (ser favorável à preservação da qualidade ambiental) já não é a mesma relacionada ao ato custoso (estimular uma conduta mais prudente). Da mesma forma, a natureza de um e de outro ato, nesse caso, diferem: assinar uma petição redigida por um terceiro, comportamento pouco ativo e, de certa forma anônimo, não pode ser comparado ao fixar-se, no próprio jardim, uma placa de grandes dimensões, comportamento ativo e personalizado. Assim, favorecer as diversas associações e organizações não governamentais coloca a população no papel – ilusório – de ator14 e modifica suas atitudes, levando-a, em seguida, a empreender atos cada vez mais custosos.


“Porta na cara”

Técnica complementar à precedente, a “porta na cara”15 consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Citaldini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em uma visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-a após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%. Naturalmente, um “pé na porta” ou uma “porta na cara” podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de “bola de neve” é efetivamente aplicada.


Dissonância cognitiva ou o espiritualismo dialético

A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger,16 permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destaca-la, para que, a partir dela, se tornem visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial. Verificamos anteriormente que é possível induzir diversos comportamentos, apelando-se à autoridade, à tendência ao conformismo ou às técnicas do “pé na porta” ou da “porta na cara”. Os fundamentos que servem de base a esses atos induzidos repercutem em seguida sobre as opiniões do sujeito, modificando-as (dialética psicológica). Assim, encontramo-nos diante de um processo extremamente poderoso, que permite a modelagem do psiquismo humano e que, além disso, constitui a base das técnicas de lavagem cerebral.

Uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação de um ato, conhecimento etc. Não é nada difícil provocar dissonâncias cognitivas. As técnicas de “pé na porta” e “porta na cara” têm a capacidade de extorquir a alguém atos em contradição com seus valores e sentimentos. O exercício do poder ou da autoridade (de um professor, por exemplo) permite que se alcance facilmente o mesmo resultado. A “clarificação de valores”, técnica pedagógica largamente utilizada, provoca, sem qualquer aparência de coação, dissonâncias cognitivas. (Exemplo: você está, em companhia de seu pai e de sua mãe, a bordo de uma embarcação que naufraga; há disponível somente um colete salva-vidas. O que você faz?) A experiência prova que que um indivíduo numa situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao longo do curso) um ato em contradição com seus valores, sua tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe oprime. Em outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de comportamento, é muito provável que ele venha a racionalizá-lo. Convém notar que, nesse caso, trata-se de uma tendência estatística evidente, e não de um fenômeno sistematicamente observado; as teorias que referimos não pretendem resumir a totalidade da psicologia humana, mas sim fornecer técnicas de manipulação aplicáveis na prática. Dispõe-se, assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos aliciadores os quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções. Tal é a justificação teórica tanto dos métodos pedagógicos ativos como das técnicas de lavagem cerebral.

“Os métodos ativos, fundados sobre a participação, são particularmente aptos a garantir essa aquisição [de valores úteis].” (Declaração mundial sobre a educação para todos).17

Notemos, de passagem, pois não seria ocasião de aprofundar esse aspecto, o papel fundamental desempenhado pelo sentimento de liberdade experimentado pelo indivíduo durante uma experiência. Na ausência desse sentimento, não se produz qualquer dissonância cognitiva e, consequentemente, nenhuma modificação de valor, já que o sujeito tem consciência de agir sob constrangimento e não se sente minimamente engajado. Essas considerações, bem como outras similares, no domínio da dinâmica de grupo, podem lançar uma nova luz sobre importantes processos políticos ocorridos nesses últimos anos.

Passemos em revista algumas experiências ou observações célebres a respeito da dissonância cognitiva.


Não pague a seus empregados

A experiência de Festinger e Carlsmith18 pode ser assim resumida: num primeiro momento, os examinandos devem realizar uma tarefa manual repetitiva e extremamente tediosa. Em seguida, o pesquisador – pretextando uma indisponibilidade de seu colaborador – lhes pede que apresentem a tarefa a outros examinandos, mostrando-a como um exercício interessante, prazeroso. Para que realizem essa apresentação, a uns é oferecido um dólar, a fim de conhecer suas atitudes reais em relação àquela tarefa inicial. Aqueles aos quais foram pagos vinte dólares descreveram-na como tediosa, enquanto os demais, que receberam um dólar, modificaram sua cognição relativamente à tarefa e passam não somente a considerá-la interessante e prazerosa, mas, ainda, mostram-se dispostos a participar de outras experiências semelhantes. Os primeiros justificaram sua mentira admitindo haver agido por interesse na retribuição, o que já não podem fazer os do outro grupo, aos quais se havia prometido um dólar apenas. Colocados em situação de dissonância cognitiva, provocada pela contradição entre sua percepção inicial da experiência e o ato que foram levados a cometer (mentir a respeito do caráter da experiência), sentem-se impelidos a reduzir a dissonância, e a maneira mais natural consiste em modificar sua opinião em relação àquela percepção inicial.

Assim, uma pressão fraca (oferecer um dólar como prêmio, quer dizer, uma pressão apenas suficiente para induzir ao comportamento buscado, tem efeitos cognitivos muito mais extensos que uma pressão mais forte (oferecer vinte dólares). Esse fenômeno é bem conhecido do “menagers”, que não ignoram que os dirigentes que percebem salários menores são mais comprometidos com o trabalho e na sua relação com a empresa. Da mesma forma, os pedagogos puderam constatar que uma ameaça fraca, apenas suficiente para gerar o comportamento desejado, é frequentemente mais eficaz a longo prazo do que uma ameaça mais forte. Nesse último caso, a criança, consciente de que cede a uma forte pressão, conserva seu desejo inicial, o qual ela deverá satisfazer logo que possível. Entretanto, no primeiro caso dá-se o contrário: a criança tenderá a entrar em dissonância cognitiva induzida pela contradição entre seu desejo inicial e seu comportamento efetivo, produzido pela pressão psicológica ligada à ameaça fraca. Exatamente como no caso dos indivíduos submetidos às experiências de Festinger e Carlsmith, impõe-se a necessidade de reduzir essa dissonância, o que se pode obter mediante o expediente de desvalorizar o comportamento proibido. A modificação de atitude e de comportamento é então duradoura, uma vez que, nesse caso, ocorreu uma interiorização da proibição.


Você gosta de gafanhotos fritos?

Sob o pretexto de diversificar o menu de um colégio militar, incluíram-se nele gafanhotos fritos,19 o que, convém notar, não agradou a ninguém. Mas a apresentação dessa novidade foi realizada de duas maneiras diversas: um grupo foi convidado a dela participar por um sujeito simpático, enquanto o segundo grupo foi confiado a um homem desagradável, que tinha mesmo por objetivo forjar-se numa figura antipática, efeito que obtinha – a par de outros recursos – ao tratar seu assistente de modo grosseiro. Realizada a experiência, constatou-se que, entre as pessoas que realmente comeram gafanhotos fritos, o percentual de membros do segundo grupo que declararam haver gostado era significativamente maior que o do primeiro grupo. Enquanto estes podiam justificar interiormente seu ato, já que haviam sido motivados pela simpatia do apresentador, os membros do segundo grupo viram-se obrigados a encontrar uma justificação do comportamento que lhes fora extorquido. Para reduzir a dissonância cognitiva provocada pela contradição entre sua aversão por gafanhotos fritos e o ato de comê-los, só lhes restava mudar sua opinião a respeito daquela aversão.


Iniciação sexual de moças

Para participar de discussões em grupo acerca da psicologia sexual, algumas jovens foram levadas a passar por diversas “provas iniciáticas”.20 Ao primeiro grupo impôs-se uma iniciação severa e fastidiosa, psicologicamente aliciadora, portanto. Ao segundo, impôs-se uma iniciação superficial. O grupo testemunho, por fim, foi admitido sem qualquer iniciação. A discussão fora preparada para ser extremamente tediosa e desinteressante. Constatou-se, ao final, que as jovens que declararam haver gostado da discussão foram justamente aquelas que passaram pela iniciação mais severa. Nesse caso, a dissonância cognitiva era provocada pela contradição entre o investimento psicológico necessário para suportar uma iniciação severa e a ausência de qualquer benefício daí obtido.


Contatos extraterrestres

A senhora Keech,21 fundadora de uma pequena seita, dizia receber mensagens extraterrestres que a informavam sobre a iminência do fim do mundo. Tendo sido anunciado o dia da catástrofe, convidaram-se os membros da seita a se reunirem, na véspera, para serem conduzidos à segurança do interior de um OVNI, que aliás nunca veio. Festinger estudava o grupo e se interessava pelo modo segundo o qual seus membros realizariam a redução da dissonância cognitiva após o resultado, previsível, desse momento crítico. (Com efeito, sabe-se que é bastante significativo o investimento psicológico que ocorre em seitas; a dissonância cognitiva que se gera em tais situações é considerável.) Tendo já passado a hora fatídica, a senhora Keech declarou ter recebido uma nova mensagem, pela qual era informada que pela fé e o fervor de seus discípulos haviam permitido que a catástrofe fosse evitada. Então estes, submetidos a uma forte dissonância cognitiva, apressaram-se a aceitar tal explicação, que lhes proporcionava, a um custo baixo, reduzir aquela dissonância. Além disso, passaram ao proselitismo, atitude que haviam cuidadosamente evitado nos dias que precederam o dia fatídico.


Dramatização

Constatou-se experimentalmente que uma dramatização, em que pese seu caráter aparentemente lúdico, é capaz de provocar dissonâncias cognitivas e as subsequentes alterações de valor. A identificação ativa ao papel assumido é suficientemente forte para aliciar o ator. Esse surpreendente resultado é incontestável e firmemente estabelecido. Ao obrigar os indivíduos a agir em oposição às suas convicções, sem constrange-los formalmente a isso, facilita-se o surgimento das dissonâncias cognitivas e a consequente organização do universo cognitivo do ator. A dramatização é a base do psicodrama, técnica psicológica correntemente utilizada. Igualmente, a dramatização constitui uma das psicopedagogias ativas mais poderosas e de uso mais comum; é ensinada nos IUFMs, por exemplo.

Para que as experiências multiculturais dos alunos não sejam deixadas ao acaso dos encontros, pode-se mesmo simular, nas dramatizações, as quais se inspiram na dinâmica de grupos, o encontro de pessoas pertencentes a culturas diversas. Já são propostas estratégias de ensino e técnicas que oferecem aos alunos a possibilidade de explorar sistematicamente situações standard, de exercer metodicamente seu julgamento (o que permite descobrir como funcionam os mecanismos de julgamento), de clarificar os valores que eles encontram ou descobrem e de colocar à prova os princípios das diversas crenças. Há quem sustente que essas técnicas podem ser introduzidas nas escolas, e que já é hora de fazê-lo; outros há que sustentam opinião contrária, condenando essa inflexão do ensino para um sentido subjetivista e quase terapêutico.22

Essa última frase é um exemplo notável da dialética utilizada constantemente pelas organizações internacionais.

Assinalemos um aspecto frequentemente pouco conhecido da dramatização: a redação de textos, que se pode levar até à escrita de confissões. Experimentalmente, provou-se que tais expedientes tem a capacidade de promover uma mudança nas atitudes de seus autores. Sabe-se, além disso, que eles são parte integrante das técnicas de lavagem cerebral.


Decisão e discussão de grupo

As decisões e discussões de grupo, por seu inegável caráter público, tem um alto potencial para promover o engajamento. Elas constituem uma das mais poderosas técnicas para introduzir dissonâncias cognitivas. A terapia de grupo, técnica psicoterapêutica clássica, tem nelas um de seus elementos constitutivos fundamentais. Elas são também utilizadas pela pedagogia ativa, que frequentemente as apresenta como exercícios de comunicação. E são ensinadas nos IUFMs.

Claro está que a dinâmica de grupos apóia-se ainda sobre outros elementos, principalmente afetivos, mas não seria pertinente detalhá-los aqui.


A avaliação (dos alunos e dos professores)

A avaliação23 consiste em outro meio extremamente eficaz para conduzir à interiorização de valores e de atitudes. Não é possível esclarecer os seus fundamentos recorrendo-se a outras teorias da psicologia social que não a do engajamento. Suas conclusões podem ser resumidas em poucas palavras, dizendo-se que, por força do exercício do poder personificado pelo avaliador, o sujeito da avaliação é levado a interiorizar normas sociais. Esse processo está na base da reprodução social ou – se se altera a escala da avaliação – da modificação de valores. A avaliação formativa, conforme seu nome indica, visa expressamente a ensinar o sujeito. Quando aplicada ao domínio da ética, leva a interiorizar valores e atitudes. Sob a forma de autoavaliação, ela acrescenta o engajamento do sujeito à sua avaliação. O estudo das diversas formas de avaliação (teorias da avaliação) constitui um componente importante da psicopedagogia e do ensino dispensado nos IUFMs.

Importa agora ver como essas técnicas são utilizadas no ensino e, de modo mais geral, em toda a sociedade.




8Nossa sumária exposição das técnicas de manipulação psicológica deverá basar-se principalmente sobre três obras relevantes: D. Winn. The Manipulated Mind. London, The Octagon press, 1984; R.V. Joule, J.L. Beauvois. Soumission et idéologies. Paris, PUF, 1981; R.V. Joule, J.L. Beauvois. Petit traité de manípulation à l'usage des honnêtes gens. Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1987.

9S. Milgram. Soumission à l'autorité. Paris, Calmann-Lévy, 1974.

10S. Milgram. Obedience to Authority. New York, Harper & Row, 1974. Citado por Winn, Op. cit., p. 47.

11S.E. Asch, Influence interpersonelle. Les effets de la pression de groupe sur la modification et la distorsion des jugements, In: C. Faucheux, S. Moscovici (eds.). Psychologie sociale théorique et expérimentale. Mouton Editeur, Paris, 1971, p. 235-245.


12M. Sherif. Influences du groupe sur la formation des normes et des attitudes. In: C. Faucheux, S. Mosccovici (eds.), ibid., p. 207-226.


13Freedman, J.L., Fraser, S.C. Compliance without pessure: the foot-in-the-door technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 4, nº2, p.195-202, 1966.

14Levando-a, também ilusoriamente, a "internalizar" o local de controle (locus of control).

15R.B. Cialdini, J.E. Vincent, S.K. Lewis, J. Catalan, D. Wheeler, B.L. Darby, Reciprocal concessions procedure for unducing compliance: the door-in-the-face technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 31, nº2, p. 206-215, 1975.

16L. Festinger. A theory of cognitive dissonance. Stanford University Press, 1968. Ver também: Beauvois et Joule. Soumission et idéologies. Op. cit., p. 49 sq.

17WCEFA, Conférence mondiale sur l'éducation pour tous, 5-9 mars 1990, Jomtien, Thaïlande, Déclaration mondiale sur l'éducation pour tous, New York, 1990, Unicef, p. 5. Essa declaração e o Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem,  que teremos ocasião de citar ainda várias vezes, foram adotados unanimemente pelos participantes da Conferência mundial sobre educação para todos. Organizada pelo PNUD, Unesco, Unicef e pelo Banco Mundial, ela reuniu delegados de 155 países e de inte organizações intergovernamentais. Entre tais países e organizações, encontram-se os seguintes: Brasil, Canadá, China, França, RFA, Índia, Itália, Japão, Reino Unido, URSS, USA, ONU, FAO, UNICEF, UNESCO, UNHCR, OMS, Comissão das comunidades europeias, OCDE. Naturalmente, esse documento foi publicado sem nenhuma reserva acerca das opiniões expostas por seus autores.

18L. Festinger, J.M. Carlsmith. Cognitive consequences of forced compliance, Journal of Abnormal Social Psychology, 59, p. 203-21 0, 1959. Version française dans: C. Facheux, S. Moscovici. Psychologie sociale théorique et expérimentale. Paris, Mouton éditeur, 1971.

19Ver: Winn. The Manipulated Mind. Op. cit., p. 121.

20E. Aronson, J. Mills. The effect of severity of iniciation on liking for a group, The Journal of Abnormal and Social Psychology,  vol. 59, sept. 1959, n 2, p. 177-181.

21L. Festinger. A theory of cognitive dissonance. Op. cit., p. 252-259.

22OCDE/CERI. L'école et les cultures. Paris, OCDE, 1989, p. 73. Advertimos para o fato de que as reticências foram abandonadas desde então. Essa obra foi redigida por um membro do Secretariado do Centro de Pesquisas e Inovação do Ensino (CERI) da OCDE. Ela "apresenta os resultados das análises efetuadas pelo Secretariado dos programas de ensino implementados por diversos países, a fim de responder ao desafio multicultural, multiétnico e plurilinguístico das sociedades contemporâneas"

23Beauvois et Joule. Soumission et idéologies, Op. cit., p. 162 sq.



BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo – ou o ministério da reforma psicológica. 1 ed. Ecclesia e Vide Editorial. Campinas, SP: 2013, pp. 15-31

3 comentários :

  1. Obrigada pelo resumo. Leitura obrigatória.

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  2. "Winston deixou cair os braços e lentamente tornou a encher os pulmões de ar. Seu espírito mergulhou no mundo labiríntico do duplipensar. Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da democracia e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar - se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra "duplipensar" era necessário usar o duplipensar." George Orwell

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