Especialistas condenam a atitude e criticam falta de transparência
por Cristina Tardáguila
04/06/2014 10:27 / Atualizado 04/06/2014 12:39
por Cristina Tardáguila
04/06/2014 10:27 / Atualizado 04/06/2014 12:39
RIO — Apesar de reconhecer que “os testes de segurança das urnas
eletrônicas fazem parte do conjunto de atividades que garantem a
melhoria contínua deste projeto”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
não fará nenhum antes das eleições de outubro. Desde 2012, aliás, quando
uma equipe de técnicos da Universidade de Brasília (UnB) simulou uma
eleição com 475 votos na urna eletrônica e conseguiu colocá-los na ordem
em que foram digitados, o tribunal não expõe seus sistemas e aparelhos à
prova de técnicos independentes. Mesmo assim, continua a afirmar que
eles são seguros e invioláveis.
Para especialistas em computação, o
TSE se arrisca ao dispensar as contribuições e os ajustes que poderiam
florescer em testes públicos independentes e erra ao adotar uma postura
de extrema confiança em relação a seus sistemas de registro, transmissão
e contagem de votos. Muitos lembram que, recentemente, até mesmo as
comunicações da presidente Dilma Rousseff foram rastreadas pela Agência
de Segurança Nacional (NSA) americana.
— Eu aguardava ansiosamente os testes de 2014 para verificar pelo
menos se os problemas de segurança que descobrimos (em 2012) haviam sido
corrigidos — disse ao GLOBO o professor de computação Diego Aranha,
hoje trabalhando na Unicamp. — Mas isso não vai acontecer e lamento por
isso. Eu realmente acredito que as urnas eletrônicas brasileiras seriam
viradas pelo avesso se pudéssemos fazer testes realistas e sem
restrições nelas. Mas o TSE nos impede.
Em 2012, Diego e três
técnicos da UnB se cadastraram no TSE para participar de um teste
público das urnas e, segundo contam, conseguiram provar a
vulnerabilidade delas sem precisar abri-las
— No teste, o TSE
abriu o código de programação do software da urna e nos deu cinco horas
para analisar mais de 10 milhões de linhas de programação. Em menos de
uma hora descobrimos a equação usada pelas urnas para embaralhar os
votos que ela registra e, para provar isso, simulamos uma eleição com
475 votos e, em seguida, ordenamos os votos que foram registrados nela.
Resumindo: achamos um erro banal do sistema — afirmou Aranha.
Desde então o TSE não realiza testes desse tipo. E afirma, via assessoria de imprensa, que não tem previsão para fazê-los.
—
A ausência de testes públicos, livres, sem controle sobre o que será
testado, per se, já é um dano. Independentemente de eventuais riscos
técnicos — o professor da FGV Direito Rio, Pablo Cerdeira. — É direito
nosso, de todos os cidadãos, não apenas saber dos resultados mas também
como foi todo o processo para se chegar a ele. Imagine se a apuração de
uma eleição feita em papel fosse realizada a portas fechadas, de forma
secreta, sem que ninguém pudesse acompanhar. O sistema não seria
confiável. É a mesma coisa com a votação eletrônica. Se a sociedade não
puder acompanhar, sem restrições, como funcionam as urnas, podemos dizer
que temos dois danos: não estão respeitando nosso direito à
transparência e estamos corremos o risco de ter alguma falha no sistema
que permita a violação das eleições.
Cerdeira lembra que a
presença de erros em computadores é algo “muito comum” e que, nos
últimos 30 dias, foram descobertas duas “falhas catastróficas” em
sistemas utilizados por empresas do mundo todo:
— O OpenSSL, com a
falha conhecida como Heartbleed, responsável pela comunicação
criptografada de bancos, e-mails e redes sociais, por exemplo, afetou
dois terços de todos os computadores do mundo. Falha descoberta na
semana passada no Internet Explorer, da Microsoft, permite a violação de
segurança de todos os computadores com Windows e Internet Explorer. Tão
séria a ponto de o Governo Norte-americano sugerir que as pessoas não
usem esse navegador. Imaginar que nosso sistema de urnas eletrônicas é
mais seguro do que os sistemas desenvolvidos por milhares ou mesmo
milhões de programadores, como é o caso do Internet Explorer e do
OpenSSL, não parece razoável.
Para tentar contornar essa questão,
em fevereiro o TSE lançou uma portaria convocando um “grupo de
segurança” para testar os aparelhos e sistemas usados nas eleições. A
equipe de 12 pessoas tem, no entanto, apenas um membro “independente”.
Oito são oriundos de tribunais regionais eleitorais e três do próprio
TSE.
Segundo o tribunal, o “grupo de segurança” tem por objetivo
completar quatro trabalhos — sem data fixada para sua conclusão. Ele
deve “mapear requisitos de segurança das diversas fases do processo
eleitoral brasileiro, elaborar um plano nacional de segurança do voto
informatizado, propor um modelo ágil de auditoria da votação e
totalização dos votos e estudar, propor e validar modelos de execução do
teste de segurança”.
Diante da informação oficial o professor Diego Aranha retruca:
— Mas isso não deveria já ter sido feito há muito tempo?
E, sobre a composição do grupo, o professor Pablo Cerdeira comenta:
—
A escolha de tanta gente de dentro dos tribunais é uma decisão política
— diz ele. — Mas o importante é observar que há dois problemas aqui: a
baixa representação independente (apenas um) e, depois, a dúvida sobre o
que uma única pessoa conseguirá auditar. Na prática, quase nada. É
preciso não apenas que outros atores auditem o sistema, mas que eles
realizem testes em ambientes não controlados pelo TSE. Imagine que um
novo modelo de carro só possa ter sua segurança testada no laboratório,
dentro das condições que os desenvolvedores definirem. É claro que na
prática ele vai enfrentar situações que muitas vezes podem não ter sido
previstas pelos desenvolvedores. É por isso que é preciso testes no
ambiente real.
Professor titular da Faculdade de Ciência da
Informação e diretor do Centro de Pesquisa em Arquitetura da Informação
da UnB, Mamede Lima-Marques integra o “grupo de segurança”. É, na
verdade, o único membro “independente”. Lima-Marques conta que a equipe
já fez uma reunião presencial em Brasília, mas que mantém contato
virtual. Em sua meta estão a preparação de um Plano Nacional de
Segurança, para que as decisões tomadas pelo TSE cheguem de forma mais
transparente e rápida aos TREs, e a “instrumentalização da auditoria do
sistema eleitoral”, que busca facilitar a rechecagem do sistema.
—
Estamos trabalhando para a criação de uma agenda de trabalho para o
grupo, mas agimos de forma completamente independente ao calendário das
eleições — ressalta ele.
Lima-Marques reconhece que os testes
públicos são de “suma importância”. Ele, inclusive, coordenou o de 2012,
mas diz que essas provas não precisam ser realizadas todos os anos.
—
As urnas que vamos usar em outubro são da mesma geração das usadas em
2012, e as fragilidades detectadas no último teste já foram sanadas —
explica. — Fazer esses testes é algo caro, complicado e demorado. E a
vulnerabilidade das urnas não depende do tempo de vida delas. Está muito
mais vinculado às condições técnicas.
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