terça-feira, 30 de setembro de 2014





A justiça italiana anulou a condenação de um homem por pedofilia, 
considerando que o tribunal de recurso havia subestimado a "relação amorosa" entre o acusado, de 60 anos, e a sua vítima, uma criança de 11 anos. 

Pietro Lamberti, funcionário dos serviços sociais da vila de Catanzaro (Calábria, sul de Itália), foi condenado em fevereiro de 2011 a cinco anos de prisão por atos sexuais com uma menor de 14 anos [N. admin: 14 não: 11! Onze anos tinha a menina! O Jornal O Globo parece estar se confundindo; V. fontes aqui e aqui], uma pena confirmada no mesmo ano após um recurso.

Numa decisão proferida a 15 de outubro, mas revelado por um órgão de comunicação social italiano mais de dois meses depois, o Supremo Tribunal anulou o julgamento e ordenou um novo julgamento em segunda instância.

Na opinião da justiça italiana, o tribunal de recurso não teve suficientemente em conta "o consenso" entre o homem e a menina, a "existência de uma relação amorosa, a ausência de coerção física e o facto de a menina estar apaixonada".

Segundo o jornal Il Quotidiano dela Calabria, que revelou o caso, a criança vem de uma família pobre, que tinha confiado a menina a Lamberti. Após uma série de escutas telefónicas, o homem foi apanhado em flagrante com a criança na cama.

Apesar de ter passado despercebida no momento da decisão, a sentença gerou reações de indignação nas redes sociais, com muitos a considerarem-na como uma "validação da pedofilia" pela justiça italiana.

Fonte: Diário de Notícias - Globo
Maquiavel Pedagogo
ou o ministério da reforma psicológica


Pascal Bernardin




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Capítulo II
A APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL NA EDUCAÇÃO



Educar e formar24 foi publicado em 1989 por Jean-Marc Monteil, professor de Psicologia na Universidade de Clermont-Ferrand, onde dirige o laboratório de Psicologia Social. Sua obra busca "propor aos docentes, aos educadores, aos responsáveis pela formação, algumas orientações para a ação, e, aos estudantes e pesquisadores em Ciências Sociais e Humanas, uma fonte de informação útil".25 O objeto de tal trabalho consiste, portanto, na educação, e nele podemos encontrar, com proveito para a nossa investigação, as técnicas expostas no capítulo anterior.


 A modificação das atitudes

Tal como nas situações descritas no capítulo anterior, o foco aqui são as disposições, as cognições, as percepções etc.: "Por trás desses jogos de influências, o que se busca é a mudança das disposições e dos comportamentos, a modificação das cognições do sujeito" (p. 118).

'Os processos de influência social podem ser definidos, em sua acepção mais específica, como processos que regem as modificações de percepções, juízos, opiniões, disposições ou comportamentos de um indivíduo, modificações essas provocadas por seu conhecimento das percepções, juízos, opiniões, etc. de outros indivíduos.' (Doise,26 1982, p. 87). (p. 116).

O capítulo seguinte examina alguns fundamentos das mudanças de atitudes, de opiniões, de crenças, de comportamentos ou de condutas; defrontaremos então a cpmplexidade dos processos de influência social, sua variedade, e as múltiplas vias pelas quais se estabelecem novas opiniões, atitudes ou condutas. (p. 11).

"Consequentemente, compreende-se facilmente o interesse em modificar a atitude de uma pessoa se houver a intenção, em relação a tal ou qual objeto, de vê-la adotar uma nova conduta." (p. 127).


A aplicação das Ciências Sociais

As técnicas utilizadas são aquelas obtidas através da psicologia social. O autor se apóia principalmente sobre trabalhos já citados aqui: a experiência de Sherif sobre as normas de grupo (p. 118), os trabalhos de Asch sobre a conformidade (p. 119), os trabalhos de Festinger, Beauvois e Joule sobre a dissonância cognitiva (p. 133) e os de Kiesler sobre o engajamento (p. 142).  As técnicas clássicas de manipulação são detalhadas: engajamento, dissonância cognitiva, dinâmica de grupo (cap. 4), influência do prestígio (p. 122), dramatização.


Mudar a atitude: da persuasão ao engajamento

Não haveria como mudar de tema ao mudar de rubrica. Com efeito, é sempre de influência e de processos de influência que irá se tratar, mas nos aplicaremos aqui a um componente particular do alvo de influência: a atitude. (p. 126)

Dito sem rodeios, o sujeito adere à sua decisão e, assim, quanto maior o seu engajamento em um comportamento, tanto "maior será a mudança de atitudes caso o comportamento divirja das convicções anteriores do sujeito, e tanto maior será a resistência às propagandas ulteriores caso esse comportamento concorde com as opiniões prévias..." (Kiesler27, 1971, p. 32). Que me perdoem a expressão tautológica, mas o engajamento nos engaja.

Outro ponto importante a ser aqui apresentado ao leitor para a boa compreensão dos propósitos que se seguirão consiste no fato de que alguns fatores permitem manipular o engajamento: o caráter explícito do ato,sua importância, seu grau de irrevogabilidade, o número de vezes em que foi realizado, e, sobretudo, o sentimento de liberdade quando de sua realização. (p. 143).

Nos dois exemplos escolhidos, os indivíduos foram induzidos a praticar uma conduta custosa em um contexto de liberdade. Assim, as circunstâncias seriam aparentemente aliciantes a ponto de conduzir um indivíduo a manifestar comportamentos contrários à suas convicções ou motivações; comportamentos aos quais lhe será necessário fornecer justificações. Também se compreende que, engajado pelas circunstâncias, um indivíduo possa, hoje, enxergar virtudes onde antes não as via.

Apoiado sobre elementos dessa natureza, Joule logra demonstrar, por via experimental, que uma situação de submissão, associada a um sentimento de liberdade, conduz os sujeitos a se engajar em um ato e, ulteriormente, os impele a uma racionalização cognitiva ou a uma racionalização em ato. Fenômeno que mostra "que é por um novo ato que os examinados conseguem recobrar algum equilíbrio cognitivo, equilíbrio esse abalado pela realização de um primeiro comportamento de submissão... sendo a função primeira de um tal fenômeno a de fazer aparecer como racional um comportamento ou uma decisão problemática." (Joule,28 1986, p. 351). Enfim, como se observa, as circunstâncias reais ou habilmente manipuladas são capazes de desencadear comportamentos contrários às nossas convicções e, portanto, de nos levar a modificar nossas posições iniciais para transformá-las às nossas condutas.

O conjunto desses dados sugere, pois, de maneira assaz evidente, o peso não negligenciável das circunstâncias e das situações sobre a execução dos nossos comportamentos, sobre as cognições que em seguida construímos e sobre os comportamentos futuros que delas surgem como consequência. (p. 145).


Condutas para mudar "as ideias"

Como indica o título deste parágrafo, entramos aqui numa problemática que propõe uma inversão de relação entre atitude e conduta, com a primeira aparecendo como o produto eventual da segunda. A mudança de atitude se torna então a a consequência de uma submissão comportamental. Com efeito, logo que as circunstâncias nos induzem a adotar tal ou qual comportamento que, fora dessas circunstâncias, provavelmente não teríamos adotado, sentimos necessidade -- a menos que desenvolvamos, acerca de "nossa fraqueza", uma culpabilidade definitiva próxima da patologia -- de encontrar um meio de restabelecer um universo coerente, momentaneamente cindido por uma contradição vivida entre o fazer e o pensar. (p. 132).

Após ter obedecido, e com a sensação e tê-lo feito livremente, os indivíduos geralmente adotam o conteúdo, a maioria das vezes avaliativo, do ato que eles acabam de executar. Mais amplamente, as situações de dissonância cognitiva conduziriam a uma submissão dos indivíduos, por exemplo, à justificação de sua obediência por uma modificação avaliativa de suas posições iniciais. Dito de outro modo, e por extensão, após ter praticado um comportamento contrário às suas atitudes, o indivíduo,  por um processo de racionalização, se esforçaria por conformá-lo às suas atitudes e opiniões. Mais do que isso, é provável que uma conduta possa comprometer a ponto de determinar novas condutas e não somente modificar as posições atitudinais (p. 149).


A educação

Recordemos que essa obra, intitulada Educar e formar, dirige-se aos docentes, aos educadores e aos responsáveis pela formação. As técnicas destacadas abaixo são, desse modo, apresentadas para fins explicitamente educativos:

A abordagem educativa, necessariamente pragmática, deveria, parece-me, poder utilmente se inspirar em uma concepção dessa natureza [que ultrapassa "a ordem fictícia das aparências, (...) para esclarecer as camadas desse processo"29 de influência social]. Tratando-se igualmente dos jogos de influência esperamos ter-lhes ao menos fornecido o gosto. (p. 126).

Ora, tais dinâmicas [de desenvolvimento de mudanças individuais e coletivas] estão, enquanto objeto de estudos, instaladas no coração da atividade científica dos psicólogos sociais. Por isso, parece-me que nada impede, antes o contrário, de fornecer aos atores da educação, a todos os atores da educação, saberes fundados sobre os comportamentos que determinam ou que decorem dessas inserções. (p. 10).

Se tomarmos, por exemplo, as pedagogias não diretivas, os trabalhos conduzidos no contexto da teoria do engajamento as reconduzem ao que elas sem dúvida não deixaram jamais de ser: a aplicação camuflada de uma diretriz que, em certa época, tínhamos alguma dificuldade para admitir abertamente. (p. 198).

Enfim, o autor não se esquece de acrescentar algumas palavras sobre a formação dos docentes:

Para a eficácia de sua ação, o profissional [de educação ou formação] deve, pois, considerar, simultaneamente ou sucessivamente, abordagens diversas. Uma tal conduta supõe, para que tenha alguma chance de sucesso, a admissão e a assimilação da ideia de um profissional continuamente informado sobre os desenvolvimentos das disciplinas que estão relacionadas com seu setor de atividade. Essa atitude não ocorre sem embaraços: ela impõe posições drásticas que consistem em considerar como necessária a vontade, por parte do profissional, de manter-se informado, a vontade dos pesquisadores de vencer as próprias reticências, de difundir o mais ampla e acessivelmente possível os saberes que eles produzem. Essa atitude impõe, ainda, às respectivas instituições, o colocarem em prática uma verdadeira política de formação profissional contínua. Parece que ainda estamos, infelizmente, assaz longe de uma tal situação. Sem desesperar do tempo, convém, todavia, que não nos abandonemos a ele. (p. 28).

Desde que essas linhas foram escritas (1989), os IUFMs foram criados para preencher essa lacuna. Eles agora abarcam, além dos docentes do setor público, um grande número dos do setor privado.





24Eduquer et former, J.M Monteil, Grenoble, Presses universitaires de Grenoble, 1990

25Citado na segunda parte da orelha do livro.

26W. Doise, L'explication en psychologie sociale, Paris, PUF, 1982.

27C.A. Kiesler, The psychology of commitment Experiments linking behavior to belief, New York, Academic Press, 1971.

28R. V. Joule, Rationalisation et engagement dans la soumission librement consentie, Thèse de doctorat d'état, Université de Grenoble, 1986.

29S. Moscovici, Psychologie sociale, Paris, PUF, 1984, p. 166.




BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo – ou o ministério da reforma psicológica. 1 ed. Ecclesia e Vide Editorial. Campinas, SP: 2013, pp. 33-37



Apezar da xuva, muita jente esteve prezente ao ezersisio de jinastica qe teve lugar no colejio. Omens, mulheres e criansas no fim cantaram o Ino Nasional. Ouve pesoas qe ate xoraram de emosão cuando a festa terminou. Oje qem qiser pode asistir a nova aprezentasão.
A impressão é de escombros do que foi outrora a língua portuguesa em sua forma escrita. Como se tivesse sido atingida por uma bomba e alguns destroços irreconhecíveis houvessem sido resgatados da hecatombe. A comparação não é absurda. Tem o efeito de uma bomba a radical reforma ortográfica defendida pelo site Simplifi­­cando a Ortografia (simplificandoaortografia.com), criado pelo professor de português Ernani Pimentel. Sua proposta é acabar com letras que não se pronunciam, como o “H” no início de certas palavras e o “U” que se segue ao “Q” em “quintal” e “querido”, assim como a duplicidade de representação do mesmo som em “S” e “Z”, “SS” e “Ç” ou “G” e “J”.
Não é uma proposta inovadora. Para citar uma das que já se apresentaram com espírito semelhante no passado, o general Bertoldo Klinger, figura preeminente da Era Vargas, não só formulou a sua como a praticou – ele grafava seus textos segundo as regras que inventou. O general (aliás, jeneral) Klinger, em quem o reformador da língua escrita se misturava ao reformador do povo brasileiro, explicava: “Ortografia é lojica. Lojica é ordem. Sem ordem não a nasão. Logo, não a nasão sem ortografia lojica”.
O site do professor Ernani Pimentel podia passar por uma excêntrica curiosidade, tal qual a reforma de Klinger, não fossem duas circunstâncias. Primeira: a de Pimentel ter sido nomeado um dos dois coordenadores (o outro é o professor Pasquale Cipro Neto) do Grupo Técnico criado na Comissão de Educação do Senado para discutir o Acordo Ortográfico entre os países de língua portuguesa. Segunda: a de vivermos tempos propícios aos populismos/paternalismos. A “simplificação” da ortografia tem sido enfeitada com o charme mais do que discutível de facilitador da alfabetização e fator de “inclusão social”.
Essa história tem origem nas discórdias que se seguiram à assinatura, em 1990, do Acordo Ortográfico pelo qual os países de língua portuguesa se comprometeram a unificar suas regras ortográficas. Restrições surgiram em todos os países signatários. No Brasil o acordo deveria entrar em vigor em 2009, e na prática realmente entrou, com sua adoção nas escolas, na imprensa e nas editoras de livros. Oficialmente, no entanto, dadas as divergências com os outros países, a presidente Dilma Rousseff adiou a entrada em vigor para 2016.
Nesse vácuo entrou a Comissão de Educação do Senado. Decidiu rediscutir o acordo e criou um grupo de trabalho que tanto pode acabar por confirmá-lo ou rejeitá-lo quanto – o que é pior – propor uma reforma de sua própria iniciativa. Segundo o presidente da comissão, senador Cyro Miranda (PSDB-GO), o acordo teria sido feito “sem ouvir ninguém”. A comissão resolveu então “botar ordem na casa”, convocando o debate.
Daí ao encanto com a proposta do professor Ernani Pimentel foi um passo. “Estou totalmente de acordo com o professor Ernani”, declara o senador Cristovam Buarque, membro da Comissão de Educação, segundo se lê no site do professor. Duas audiências públicas serão realizadas pelo Grupo de Trabalho da Comissão de Educação na primeira quinzena de outubro. Espera-se que, nelas, falem mais alto as palavras da professora Marília Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Linguística, em carta ao senador Cristovam Buarque: “A ortografia não existe para representar a fala, mas é uma representação abstrata e convencional da língua. Para poder ser de fato funcional, a ortografia deve necessariamente afastar-se da diversidade da fala. Só assim se poderá garantir um sistema ortográfico estável e perene em que haja uma única representação gráfica para cada palavra. É essa representação única que torna possível que a palavra seja reconhecida em qualquer texto, independentemente de suas inúmeras pronúncias no espaço e no tempo”.
A alternativa é a xacina do testo em língua portugueza. A anarqia. A ecatombe.



ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
Publicado na edição impressa de VEJA

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

17/09/2014 às 14:10


“Almas sensíveis” e vulgares chegaram ao poder e destilam toda a sua falta de senso de humor e seu autoritarismo sob o manto do politicamente correto que defende as “minorias”. A patrulha dessa turma é enorme, e asfixia nossas liberdades.

São pessoas que se julgam no direito inalienável de não se sentir ofendidas jamais, mesmo que isso represente uma censura aos demais. Venho alertando para isso há anos, e cheguei a brincar com Marcelo Tas, certa vez, que temia pelo futuro de sua profissão de humorista.

Dessa vez foi o respeitado publicitário Washington Olivetto quem endossou tal crítica, afirmando que o politicamente correto matou a liberdade criativa. Com amigos em comum, já tive a oportunidade de testemunhar a sagacidade e as tiradas ácidas do publicitário pessoalmente.

Pode se exceder eventualmente, se estimulado, mas faz parte do ofício: sua mente trabalha em alta velocidade o tempo todo e a metralhadora giratória pode ferir alguns alvos no processo. Melhor isso do que uma mordaça que nos privaria de sua inteligência. Diz ele:

Você tem de um lado o cara politicamente correto, que é cerceador e bem educadinho. E do outro o incorreto, que é mal educado e pseudo-divertido. Temos que buscar o que é politicamente saudável, que respeita a inteligência, mas com irreverência e bom humor. Há coisas que não são ofensivas, mas fazem pensar.

Para Olivetto, o humor brasileiro vive “uma crise de vulgaridade”. “É um humor que tenta gargalhar, mas não sabe fazer sorrir”. Penso logo no Porta dos Fundos, de Porchat e Duvivier. Escrachado, para arrancar gargalhadas vulgares, mas pouco refinamento, pouca inteligência de fato, que fale ao intelecto, como defendia o filósofo Henry Bergson em seu livro sobre o riso e a comicidade.

Talvez seja pedir demais termos um P.G. Wodhouse por aqui, com seu insuperável mordomo Jeeves. O humor britânico é mais sofisticado do que o nosso. Mas poderíamos ao menos lutar para preservar a inteligência no humor. E para tanto se faz necessário enfrentar os dois grandes obstáculos: a ditadura “velada” do politicamente correto e a vulgaridade. Será possível salvar o humor no Brasil?


Rodrigo Constantino

domingo, 28 de setembro de 2014



Quem antes dizia que a agenda cultural da esquerda leva, inevitavelmente, à defesa de abominações como a zoofilia, necrofilia e a pedofilia, era considerado louco.

Isso só poderia ser paranóia de gente muito careta, certo? Errado!

Infelizmente, os piores temores são sempre passíveis de encontrar a realidade quando se trata de lobbys organizados da esquerda e sua fúria contra a família tradicional…

Em artigo intitulado “Pedofilofobia”, publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 21, o filósofo Hélio Schwartsman questionou a decisão da Justiça que mandou recolher todos os exemplares da revista Vogue Kids.

A revista trazia fotos de adolescentes em poses sensuais. Schwartsman argumenta que a decisão judicial é “uma forma de censura”.

"A determinação judicial não constitui uma forma de censura? Ainda que se admita que as imagens sejam sensuais, isso configura um caso em que o Estado deveria ser acionado para passar por cima da autonomia das jovens modelos e de seus pais que autorizaram a participação na campanha?" 

De saída, o que mais impressiona é o filósofo questionar se adolescentes em fotos sensuais realmenteconfigura um caso que merece intervenção.

Mas ele se supera no parágrafo seguinte:

"Penso que a liminar viola o princípio da liberdade de expressão e que, mesmo que julguemos que a exposição das meninas em cenas insinuantes seja algo a evitar, o tipo de prejuízo psicológico com o qual estaríamos lidando aqui só é magnificado pela judicialização do caso".

Quais prejuízos psicológicos podem sofrer meninas impedidas de serem exploradas em fotos sensuais para fins comerciais?

Schwartsman revela aqui sua boçal ética utilitarista: se uma menina, recém-saída da infância, se sentir bem em ter seu corpo exposto de forma sensual, então, tudo bem.

Em seguida, de forma surpreendente, o filósofo reclama: “Por que, então, tanta gente apoia as investidas de promotores contra tudo o que aproxime crianças de sexo?”.

A resposta dele é que somos histéricos e temos sensibilidades “superaguçadas”:
Será que para Hélio Schwartsman os que se preocupam com a proteção da integridade física e moral de crianças e adolescentes são todos tirânicos?

Os que se e se inflamam diante de casos de abuso sexual de menores são histéricos?
Julio Severo já havia desmascarado o utilitarismo do filósofo quando o mesmo defendeu o aborto (com base em dados suspeitos, como de hábito no Brasil).

Schwartsman não fez uma defesa da pedofilia. Mas abriu um precedente perigoso. Foi o primeiro articulista, em um jornal de prestígio, a instrumentalizar o discurso em defesa da liberdade para relativizar a preocupação da sociedade em combater a pedofilia.

Lobby da pedofilia ganha força na Europa e nos EUA

Se o filósofo brasileiro não defendeu a pedofilia, outros intelectuais (estrangeiros) já o fizeram de forma bastante clara. Gente que influencia a (mimética) intelectualidade tupiniquim.

O biólogo e ateu militante Richard Dawkins declarou, no ano passado, que a “leve pedofilia” não é algo tão condenável assim. Ele usou como exemplo seu próprio caso na infância, quando um professor teria o colocado no colo e depois metido as mãos dentro de seu short.

Segundo o biólogo, o professor teria feito isso com vários alunos, mas não acha que nenhum deles sofreu algum tipo de dano permanente.Tampouco acha que pode julgá-lo com base nos critérios e valores de hoje, já que isso ocorreu há décadas atrás.

Quer dizer, não importa se as vítimas de pedofilia sofrem até hoje. Não podemos julgar os pedófilos do passado com os “padrões da nossa época”.

Em 2012 o The Guardian (publicação inglesa de esquerda) trouxe um artigo de Jon Henley, intitulado “Pedofilia: trazendo os desejos da escuridão para a luz”. No famigerado artigo, o autor diz com todas as letras:

"Mas há uma convicção crescente, nomeadamente no Canadá, de que a pedofilia deveria ser classificada como uma orientação sexual diferente, como a heterossexualidade ou homossexualidade."

Mesmo os leitores do Guardian, gente de esquerda, ultrajados, se manifestaram em cartas contra o artigo. Mas o jornal jamais se desculpou.

Não são apenas opiniões dispersas, aqui e ali, de forma desconexa.

A Associação de Psicologia Americana (APA), em recente edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, classificou a pedofilia como “orientação ou preferência sexual” em vez de desordem.
Conservadores denunciaram que a APA está “sob pressão dos ativistas da pedofilia”, e por isso, declararam que o desejo de sexo com crianças é também uma “orientação”. O vizinho que quer transar com a filha do vizinho é só um cara diferente.

Sim, agora progressistas de todo o mundo querem que a pedofilia seja considerada penas uma “orientação sexual diferente”. O pedófilo é apenas um “cara extravagante”.

“O escritor Alexandre Borges, diretor do Instituto Liberal, já havia denunciado a estratégia, em passo-a-passo” dos defensores da pedofilia pode ser resumida assim:

1 - Criar um eufemismo ou um novo nome para a pedofilia, abandonando o termo desgastado. Estão tentando emplacar algo como “amor intergeracional”.
2 - Tirar toda a responsabilidade individual do pedófilo: “ah, ele não tem culpa de se sentir atraído por crianças.”
3 - Fabricar estudos embusteiros e falsos para convencer a comunidade acadêmica e os formadores de opinião que é algo relativamente comum, que há farto material comprovando que a pedofilia é uma característica humana e que só é condenada pelo moralismo irracional burguês e cristão.
4 - A imprensa começa a abordar o assunto “sem preconceitos”, entrevistando os defensores do assunto na academia apenas para “abrir a discussão”.
5 - Filmes e novelas começam também a abordar o assunto “sem moralismos” e “humanizando” os pedófilos.
6 - O movimento ganha as ruas e é considerado uma forma de resistência contra a discriminação.

Alexandre Borges e Olavo de Carvalho foram os primeiros a alertar os brasileiros sobre a próxima etapa da campanha da esquerda pela destruição da família.

Olavo foi ridicularizado ou pouca atenção se deu ao resumo de Borges. Mas eis que estamos às portas de uma nova era de lobbys organizados. A primeira foi a dos movimentos LGBT.

Tudo isso ocorre primeiro na academia, depois na imprensa, até se torna lobby político.

Enquanto isso, os cristãos dão apoio a grupos políticos de esquerda que são receptores de todo esse tipo de demanda oriunda de lobbys organizados.

Muito se falou contra o preconceito aos que têm “preferências sexuais diferentes”. Esse discurso abre as portas para legitimização de todas as práticas sexuais.

O lobby da pedofilia é a próxima etapa.

A preferência por partidos de esquerda dentro das igrejas custará muito caro para as famílias brasileiras. Todos os que contribuem com o fortalecimento de grupos políticos alinhados aos lobbys do sexo alternativos são responsáveis pelo que virá a seguir.


Thiago Cortês é graduado em sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP). Há mais de dez anos trabalha como jornalista e, atualmente, presta serviços de consultoria política.

Publicado no Gospel Prime.

terça-feira, 23 de setembro de 2014


Harry Redner

Mestres Malignos

Gentile
Heidegger
Lukács
Wittgenstein

Filosofia e Política no Século XX


Tradução: Leonildo Trombela Júnior





Prefácio e Introdução: parte 2/2 (2 de 2)



Os mais bem sucedidos foram aqueles que pregaram uma mensagem de destruição da velha ordem da filosofia, para que depois pudesse usá-la para fins próprios. Essa é a mensagem apocalíptica que pode ser facilmente encontrada na obra dos mestres malignos.

Que eles estavam totalmente cientes do que estavam pregando e quais consequências aquilo poderia encadear não está tão evidente em suas obras como está em seus pronunciamentos e afirmações feitos em vida. Heidegger, em carta para Karl Löwith, no início da década de 1920, afirma abertamente que seu objetivo é a destruição da filosofia e da cultura – e ele parece completamente despreocupado com as consequências disso:


Em vez de abandonar-se à necessidade geral de tornar-se culto, como se tivesse recebido a ordem para “ver a cultura”, é necessário – através de uma redução radical e desintegração, através de uma destruição - convencer-se firmemente da «única coisa» necessária, sem prestar atenção ao ideal e a agitação de homens empreendedores e inteligentes... Minha vontade, pelo menos, é direcionada para outra coisa, e não é muito: viver em uma situação de turbulência de facto; Eu estou perseguindo o que eu sinto ser “necessário”, sem se preocupar se o resultado será uma “cultura” ou se essa busca será uma precipitação à ruína.40

Escrevendo no início da carreira, antes de atrair a fama, na intimidade de uma carta para um discípulo, Heidegger foi mais franco e honesto do que ele jamais voltaria a ser mais tarde nas suas obras publicadas. Ele era fiel às suas palavras e conseguiu de alguma forma, ‘precipitar-se à ruína’ através da ‘redução radical e desintegração, através da destruição’.

Os outros mestres malignos também tinham intenções destrutivas, porém cada um manifestou isso de uma forma peculiar. O sucesso de cada um deles nesse esforço (que agora está acima de qualquer dúvida) deu-se principalmente no fato de eles, durante tempos turbulentos e críticos, estourarem na cena filosófica com obras altamente provocativas e pouco usuais. Em ordem cronológica de aparição veio primeiro o livro Teoria geral do Espírito como ato puro (1916) de Gentile, o Tractatus Logico-Philosophicus (1921) de Wittgenstein, o História e Consciência de Classe (1923) de Lukács e o Ser e Tempo (1927) de Martin Heidegger.

O primeiro livro de Gentile foi publicado durante a Primeira Guerra Mundial e, mais tarde, foi traduzido para o inglês por Wildon Carr sob o errôneo título de A Theory of Mind as Pure Act. Em muitos aspectos, além de ser o mais antigo, esse livro também foi o mais tradicional filosoficamente entre os quatro, assim como o próprio Gentile, que era o mais velho e estabelecido dos mestres malignos. A obra pode ser considerada a introdução à metafísica Idealista, elaborada subsequentemente em seu livro Sistema di Logica, publicado em dois volumes, respectivamente nos anos de 1917 e 1923.

Lukács também não era novato quando sua primeira grande obra apareceu. Apesar de não ter se estabelecido no mundo acadêmico, ele já havia publicado antes da guerra duas obras importantes sobre estética: Teoria do Romance e A alma e as formas. Mesmo assim, foi sua primeira grande obra de 1923 que faria com que seu nome fosse lembrado na posteridade. O próprio Lukács considera as outras obras como preparatórias – e assim eu também considerarei daqui em diante.

De Wittgenstein e Heidegger quase não se ouviu falar antes de eles estabelecerem suas respectivas reputações com suas grandes obras. Apesar de Heidegger ter publicado uma dissertação sobre Duns Scot e Wittgenstein ter ditado um dossiê de notas sobre lógica durante seu primeiro período em Cambridge antes da guerra, todo esse material só ficou conhecido para os amigos.

Com a possível exceção de Gentile, é possível constatar como cada um dos mestres malignos infundiu experiências de guerra e revolução em suas respectivas obras-primas primárias[i]; Isso trouxe extraordinário apelo e sucesso a essas obras. A obra de Lukács, que expôs um novo tipo de hegelianismo-marxismo, eventualmente tornou-se ponto de partida para vários outros expoentes do marxismo não-ortodoxo, que juntos, abrangeriam o movimento que ficou conhecido mais tarde como Marxismo Ocidental. A obra de Wittgenstein ajudou a dar início ao Positivismo Lógico e desempenha um papel chave na Filosofia Analítica que ainda é exercido até os dias atuais. A obra de Heidegger teve um impacto análogo no surgimento do movimento da filosofia existencialista e, mais tarde, na Escola Continental em geral. A obra de Gentile foi menos influente fora da Itália, apesar de ela sustentar o que sobrou das tradições idealistas ao redor do mundo. Na Itália, porém, a excepcional influência da obra ajudou-a a se imergir com a maré crescente do fascismo até assumir um status semioficial. O que é agora quase esquecido fora da Itália tem muito a ver com o colapso do fascismo após a Segunda Guerra Mundial e com a inoportuna morte de Gentile que se deu ao mesmo tempo.

Caracteristicamente, por volta da mesma época no final da década de 1920 e no começo de 1930, cada um dos mestres malignos começou a dar as costas ou se virar contra suas próprias obras-primas, em maior ou menor grau, num contra-movimento de pensamento que Heidegger e seus comentaristas deram o nome de Kehre. O fato de que cada um dos mestres malignos tenha passado pela sua própria virada (ou Kehre) por volta da mesma época não é uma mera coincidência histórica ou uma harmonia pré-estabelecida na história do puro Espírito. Como irei mostrar, isso está intrinsecamente ligado aos eventos do mundo político e ao movimento abrupto em direção ao totalitarismo que tomou conta, também não coincidentemente, dos principais países da Europa. Estudarei os efeitos desse processo político na esfera mais alta, abstrusa e intelectual onde ela adquire uma forma aparente de progressão ‘lógica’ da totalidade para o totalitarismo.

O envolvimento com o totalitarismo provou-se como pouco feliz para os mestres malignos. Cada um teve a própria experiência de decepção e rejeição; Cada um foi forçado a recuar para uma (ou outro tipo de) solidão acadêmica. Em tais condições de isolação, cada um procedeu com escritos que só apareceram mais tarde – costumeiramente post mortem, às vezes depois da Segunda Guerra Mundial. Dentre as numerosas publicações que apareceram sob o nome de cada mestre, ficarei restrito a uma obra-prima primária e uma obra-prima secundária que complemente a primeira. Desse modo, também considerarei a Gênese e Estrutura da Sociedade (1946) de Gentile, a Destruição da Razão (1952) de Lukács, as Investigações Filosóficas (1953) de Wittgenstein e o Nietzsche de Heidegger (majoritariamente composto entre 1935 e 1945, mas publicado somente em 1961). A diferença aqui entre obra-prima ‘primária’ e ‘secundária’ é para se referir a uma filosofia posterior em relação a uma anterior. Há uma grande extensão de comentários explorando a relação entre a filosofia inicial e a secundária de cada um dos mestres malignos separadamente. Parece que ninguém percebeu que há um padrão similar na obra de todos eles onde questões e problemas similares surgem. O padrão, no seu modo mais simples, é que primeiro vem uma obra-prima primária, seguida de uma Kehre e subsequentemente uma obra-prima secundária.

Esse padrão acontece em menor escala no caso de Gentile que, como já afirmei, era muito mais o tipo de filósofo tradicional, se comparado aos demais. Ele parece ter perseverado com a mesma filosofia do Idealismo Atualista do começo até o fim e nunca abjurou formalmente dos seus primeiros escritos como os outros fizeram. Mesmo assim, o padrão de uma filosofia anterior e uma posterior mediada por uma virada está pelo menos incipiente na obra de Gentile. Assim, o comentarista simpático à Gentile, H.S. Harris, argumenta contra a afirmação mantida por Mario Rossi, um amigo próximo de Gentile, que escreveu: “nenhuma diferença de teoria ou inconsistência pode ser encontrada entre a primeira afirmação teórica [...] e o Gênese, composto trinta anos depois”. Harris insiste no contrário e diz que “há ali uma ‘diferença teórica’ de primeira importância”41. E há poucas dúvidas que a diferença é largamente atribuída ao aprofundamento nas relações com o fascismo, pois sua obra-prima secundária, Gênese e Estrutura da Sociedade, segundo Harris, “forma uma espécie de epitáfio da sua vida como fascista”42. A Kehre que o levou da obra-prima primária para a secundária não foi, neste caso, uma súbita reviravolta, mas uma virada gradual, que fielmente seguiu a transformação do regime fascista de uma simples ditadura a um totalitarismo – pelo menos em teoria, pois na prática, misericordiosamente, o domínio de Mussolini não foi tão terrorista. Muito dessa teoria deve-se ao próprio Gentile, especialmente de 1928 em diante.

Foi nesse ano que começou a Kehre de Lukács, forçada a ele por conta da precipitada guinada da União Soviética em direção ao totalitarismo sob o punho de ferro de Stálin. Foi quando ele renunciou suas Teses sobre Blum (inclinada à Frente Popular) e denunciou sua obra-prima primária, História e Consciência de Classe, acusada do pecado capital de ‘Idealismo desviacionista’. Ele fez isso em um ritual de confissão pública de ‘autocrítica’, uma abnegação abjeta que tanto ele como vários outros intelectuais comunistas tiveram de suportar como parte de um sacrificio intellectualis. E ele nunca voltou atrás, pois mesmo no fim da vida ele insistiu que sua crítica à obra História e Consciência de Classe foi sincera e permanecia mais ou menos correta; apesar de que, já nessa época, ele era menos ferrenho ao criticar esses supostos erros, uma vez que havia algo a aproveitar, pois a obra fora reconhecida no Ocidente como obra-prima, apesar do que havia dito o próprio Lukács.

A Kehre de Heidegger começou exatamente na mesma época em que ele se sentiu suficientemente independente na academia – momento esse que se deu quando ele finalmente adquiriu a cadeira de Husserl em Freiburg – para revelar abertamente suas tendências conservadoras-revolucionárias e se aproximar ainda mais de Hitlere dos nazistas. Isso culminou alguns anos mais tarde em um ato público de associação ao Partido, que se deu logo após ele ter se tornado reitor em sua universidade em maio de 1933. Na sua filosofia, ele abandonou completamente a fenomenologia de Husserl e tornou-se cada vez mais preocupado com Nietzsche, que, não se pode esquecer, era considerado pelo próprio Hitler o precursor e principal filósofo do nazismo. No começo, Heidegger não deu completamente as costas a Ser e o Tempo, mas de modo sutil e sorrateiro ele ajustou seus termos e categorias de modo a adequá-los às novas realidades do totalitarismo. As tendências individualistas e subjetivistas-existencialistas da obra foram distorcidas para uma direção coletivista e nacionalista. Como resumiu Richard Wolin, parafraseando Löwith, “por volta de 1932, a concepção anistórica e individualista do Dasein recebeu uma distorção coletivista: o “portador” existencial das categorias de autenticidade, historicidade e destino tornaram-se o ‘Povo Alemão’ e sua situação concreta, factual e histórica”43. Mais tarde, após a guerra, Heidegger tentou fazer com que essa Kehre não fosse relacionada com a política ou com o que estava havendo no mundo, mas sim relacionada ao puro movimento do pensamento, que seguiu uma lógica própria. Na introdução escrita para o livro do Padre Richardson ele afirma que “essa ideia já estava sendo trabalhada no meu pensamento dez anos antes de 1947”; esse foi o período que ele de fato mencionou isso pela primeira vez44. Ele também enfatizou que a ‘reversão’ de Ser e Tempo em Tempo e Ser já estava implicitamente inerente na sua obra-prima primária: “a questão de Ser e Tempo é decisivamente cumprida na reversão”45. Devotadamente, o discípulo Pe. Richardson aceita tudo isso pelo valor de face e escreve seu longo livro onde há uma exaustiva discussão de todas as obras de Heidegger, incluindo o notório Rektoratsrede (discurso de Reitor) – sem sequer mencionar o nazismo de Heidegger ou mesmo a conhecida hostilidade dele para com o catolicismo durante o período nazista. Tom Rockmore acredita que a declaração de Heidegger sobre sua Kehre, feita imediatamente no período pós-guerra, foi uma jogada oportunista com o propósito estratégico de tentar revogar seu banimento: “o conceito de Virada parece uma tácita, até mesmo elegante, admissão de uma anterior cumplicidade [com o nazismo], combinada com a sugestão de um novo recomeço”46. Mesmo assim, as afirmações do próprio Heidegger sobre sua Kehre devem ser tratadas com grande desconfiança.

Se há uma Virada que pode se pensar que não tem nada a ver com a política, essa Virada é a de Wittgenstein. Mas mesmo nesse caso, as conexões políticas não estão muito distantes para serem buscadas. Pode-se datar o início de sua Kehre com exatidão, pois ela começou quando ele ouviu uma palestra de Brouwer em Viena sobre o intuicionismo na matemática em 10 de março de 1928. Como Herbert Feigl, então presente, lembra mais tarde, após a palestra, que Wittgenstein e os outros do Círculo Viena foram a um café e lá eles viram um Wittgenstein que “se tornou extremamente volúvel e começou a desenhar ideias que viriam a ser o início da sua filosofia posterior”47. Mas não estava em jogo apenas a pura filosofia matemática. Um dos principais motivos por trás da palestra de Brouwer em Viena era dar um golpe numa batalha em andamento contra Hilbert e os formalistas matemáticos da Universidade de Göttingen. Ele já havia ministrado a mesma palestra anteriormente em Berlim onde foi considerada uma tentativa de um ‘golpe de matemática’. Brouwer, um holandês filogermânico, era aliado próximo de Ludwig Bieberbach nessa crescente e cada vez mais amarga campanha acadêmico-política, que adotava cada vez mais visões de extrema direita contra o que ele chamava de ‘matemática judaica’. A esta última, Brouwer se opôs com seu próprio conceito de ‘matemática ariana’ que, após a vitória de Hitler, ele pôde impor a todo establishment matemático alemão, pelo menos na medida em que ela se tornara uma organização matemática que gozava do apoio do Partido. Não se sabe até que ponto Wittgenstein estava ciente do desenrolar disso enquanto ele embarcava ao mesmo tempo na sua própria filosofia da matemática, mas ele estava certamente seguindo um curso paralelo na linha antimodernista inspirado por Brouwer e, similarmente, por Spengler, que tratou a matemática de modo relativista, como uma série de formas simbólicas culturalmente específicas igual a arte. Wittgenstein também, de modo estridente, denunciou Hilbert, Cantor e, mais tarde, Gödel por meio de pronunciamentos que poucos matemáticos e até mesmo Ray Monk, seu biógrafo, puderam levar a sério: “os comentários dele sobre a Prova de Gödel parecem, à primeira vista para alguém treinado em matemática lógica, assombrosamente primitivos”48. Aqui eu desejo meramente indicar que há mais do que podem ver os politicamente ingênuos olhos dos filósofos da matemática.

Do outro lado da grande divisão política, onde Wittgenstein ficou flagrantemente fora de seu eixo, a natureza política das influências atuando sobre ele em Cambridge, durante o período da sua Kehre, é muito mais notória e aparente. Ele próprio reconhece a influência decisiva de seu amigo em Cambridge, o economista italiano Piero Sraffra, ao declarar no prefácio da sua obra-prima secundária: “Devo a esse estímulo a maioria das ideias consequentes neste livro”; mencionando explicitamente que foram as críticas de Sraffra que o libertaram-no das teses ‘errôneas’ do Tractatus, ou seja, que o levou à Kehre49. Sraffra, como sabemos agora, era um amigo próximo de Antonio Gramsci e deve ter transmitido a Wittgenstein uma orientação marxista básica, que permaneceu implícita na sua nova abordagem ‘antropológica’ da linguagem que estava encapsulada na filosoficamente desastrosa concepção de jogos de linguagem, que deslocou a igualmente simplista teoria pictórica do significado, que pode ser encontrada no Tractatus50. Sem dúvida, muitos outros de seus amigos comunistas de Cambridge, tal como Nicholas Bakhtin (o irmão exilado do conhecido crítico literário e linguista russo) já estavam o empurrando em uma direção similar. Até que ponto a visão extremamente otimista de Wittgenstein em relação à ‘nova vida’ na União Soviética de Stálin – que ele gostava de compartilhar – também contribuiu para sua reconceituação de filosofia, permanece uma questão aberta. Mas um comentário como “Eu não estou de forma alguma certo de que eu deveria preferir uma continuação da minha obra por outras pessoas para mudar a maneira como as pessoas vivem, o que tornaria tais questões supérfluas”51 sugere, pelo menos implicitamente, dadas as circunstâncias em que foi feito, que ele talvez tivesse em mente uma mudança no modo de vida como ele acreditou que estivesse ocorrendo na União Soviética. Sua visão do comunismo como foi relatada por Keynes em carta à Maisky, previamente citada, corrobora esta afirmação.

Está claro, mesmo nesses relatos resumidos – que eu amplificarei e darei substância mais tarde – que a realidade política daquele tempo, que viu o aparente triunfo do totalitarismo, teve papel importante na Kehre filosófica de todos os mestres malignos. Essa é a principal razão pela qual todos eles foram submetidos a uma virada análoga por volta da mesma época; Todo o padrão de suas carreiras é semelhante para esses tipos de razões. Isso não significa dizer que suas filosofias são parecidas, pois esse padrão é apenas estrutural e não reflete o conteúdo ou estilo de suas obras, que à primeira vista são tão diferentes como quaisquer visões de mundo heterogêneas reunidas pela mera chance fortuita da contemporaneidade. Todavia, mesmo com essa diversidade de conteúdo e estilo, há temas e preocupações comuns que podem ser encontrados em uma análise mais aprofundada – como se verá no
decorrer desta obra.

Este livro é dividido em duas grandes partes. Na primeira parte eu concentro largamente (porém não exclusivamente) nas obras dos mestres malignos, no próprio texto. Na segunda parte eu examino mais de perto as influências que deram vida a esses textos, que por sua vez também exerceram influência sobre outros ‘contextos e pretextos’, por assim dizer, pois esses textos dependeram de textos anteriores, ou literalmente pré-textos, e eles mesmos deram origem a textos posteriores. As várias obras que receberam essas influências resultaram em confluências que derem início a escolas unificadas e movimentos inteiros na filosofia; Essas confluências expandiram em todas as direções como um campo de força intelectual. Esse é o campo que engloba a maioria do que é agora conhecido como filosofia do século XX; Um período onde a filosofia foi mais ou menos coextensiva com a era do totalitarismo, que foi da Primeira Guerra Mundial até o colapso do comunismo no início da década de 1990. Mas, diferente do totalitarismo, o campo filosófico não deixou de estar ativo e a influência dos mestres malignos e a confluência que eles produzem, estão longe do esgotamento. Todavia, os primeiros sinais de enfraquecimento já são visíveis, apesar da onda de publicações que periodicamente enche o mercado.

O estudo das influências e confluências cai sob o domínio daquilo que se pode livremente chamar de sociologia da filosofia. Este é, até agora, um campo de estudos pouco desenvolvido em que os filósofos têm sido relutantes em aderir, apesar da extensiva proliferação da aliada disciplina sociologia da ciência. No meu livro anterior, The Ends of Philosophy, eu tentei prover algumas diretrizes metodológicas elementares para essa disciplina, que eu não vou repetir aqui. Porém, eu reitero minha intelecção fundamental de que o estudo de textos e o estudo de contextos não são duas atividades completamente distintas; Isso significa que ambos não podem ser separados em duas aproximações: uma “esotérica” e outra “exotérica”[ii]. Não é simplesmente uma questão de análise lógica de um lado e causalidade social da outro, pois há a lógica social, ou o que eu chamo de sócio-lógica, que guia os desenvolvimentos intelectuais em determinadas direções, moldando o contexto em que os textos são produzidos e informando o conteúdo dos próprios textos. Textos não surgem por geração espontânea em um vácuo cultural.

O ponto de partida para cada mestre maligno, como para qualquer pensador, foi biograficamente contingente. Cada um nasceu em um país diferente, em uma situação social diferente e começou a carreira intelectual com um professor que procurou ou que ocasionalmente o encontrou. Talvez coincidentemente, é possível identificar dois desses professores em cada caso como influências mais importantes: um tende a ser um homem jovem e o outro mais velho, como se fossem respectivamente a figura do pai e do avô. Assim, Heidegger foi influenciado por Husserl e Rickert, Wittgenstein por Russell e Frege, Gentile por Croce e Jaja e Lukács por Weber e Simmel. Esses professores eram mestres da antiga geração pré-1914 de intelectuais e pensadores cujas mentes foram formadas e as obras majoritariamente compostas antes do cataclismo da Primeira Guerra Mundial e, além disso, eles eram liberais e modernistas nas suas orientações políticas e culturais. Eles foram expoentes do que fora então um novo modo de pensar e um novo estilo de fazer filosofia. Seus alunos, os mestres malignos, rebelaram-se contra seus professores no que parece ter sido uma rebelião típica de gerações contra a tradição. Mas longe de ser isso, pois o que seus professores representavam não era de forma alguma o meramente tradicional. Eles próprios foram mentes inovadoras que já haviam rompido com as tradições estabelecidas e que empreenderam um percurso radical que agora é chamado de modernismo. Por conseguinte, ao romper com seus professores, os mestres malignos estavam também indo contra as tendências modernista na filosofia e da cultura em geral onde eles mesmos foram criados.

Para chegar à frente dos seus pais e avôs, os filhos voltaram às tradições que seus próprios antecessores haviam abandonado. Assim, na filosofia, eles retornaram para o movimento Idealista que seus antepassados haviam se libertado e que haviam combatido contra durante toda a vida. Desse modo, o ímpeto revolucionário vanguardista os levou para a retaguarda em um sentido reacionário. Isso está evi dente nas obras-primas primárias e é parte do segredo do extraordinário estrondo que essas obras representaram no turbilhão cultural pós-guerra entre tantos tipos de revoluções conservadoras e radicais que logo se tornaram reacionárias.



[i] N.T.: Logo a seguir será possível entender o porquê se usou o termo “primária” para se referir às determinadas obras.

[ii] N.T.: O autor usa os termos “internalist” e “externalist”.



REDNER, Harry.  Mestres Malignos. Tradução de Leonildo Trombela Júnior. 2014,  pp. 22-31.


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sexta-feira, 19 de setembro de 2014














por Percival Puggina. Artigo publicado em 14.09.2014




Virou moda invocar a laicidade do Estado para desqualificar opiniões, religiões e igrejas. É o tipo de coisa que só acontece no Brasil, país em que presidentes da República se atrapalham com rudimentos de português e matemática. Fosse o pensamento prática frequente entre nossa elite, tais invocações à laicidade do Estado seriam rechaçadas pelo que de fato são: ensaios totalitários visando a calar a boca da maioria da população.

A leitura dos preceitos que os constituintes de 1988 incluíram em nossa Carta Magna sobre o tema esclarece, acima de qualquer dúvida, que eles desejavam, nesse particular, limitar a ação do Estado e não das pessoas, suas religiões e igrejas, como agora, maliciosamente, lendo a carta pelo seu avesso, alguns pretendem fazer crer. Enfaticamente, a CF determina ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença", que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença" e que o Estado não pode estabelecer ou impedir cultos.

Não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar, de os privar do direito de expressão, aos brados de "Estado laico! Estado laico!". Não, senhores! Foi exatamente contra essa pretensão que os constituintes ergueram barreiras constitucionais. Disparatado é o incontido e crescente desejo que alguns sentem de inibir a opinião alheia, para que possam - veja só! - falar sozinhos sobre determinados temas. E são tantos os desarrazoados neste país que poucos percebem o tamanho da malandragem.

Leigos ou religiosos, ateus ou agnósticos, detentores de mandato ou jurisdição, podem e devem ouvir suas consciências ao emitirem seus votos ou decisões. Talvez estejamos habituados a líderes que escolhem princípios como gravatas (ou echarpes) e estranhemos quem os tenha, bons e sólidos. A laicidade impõe limites ao Estado, não aos cidadãos!

Eu tenho o direito de emitir conceitos, com base religiosa ou não, fundados na cultura gaúcha ou tupiniquim, na doutrina marxista ou liberal, sem que desajuizados pretendam me calar. Essa minha liberdade tem garantia constitucional. E há dispositivos específicos para assegurá-la no que se refira às convicções religiosas e suas consequências. A histeria a esse respeito escancara não só recusa ao contraditório, mas também vocação totalitária. Por quê? Porque como bem se sabe, o totalitarismo, para cujo porto estamos sendo levados pelo nariz, não pode conviver com sistemas de valores que não sejam ditados pelo Estado e que ante ele não rastejem. É a esse mostrengo que andam chamando "Estado laico". Ele não é isso.


ZERO HORA, 14 de setembro de 2014

Fonte: Percival Puggina

Harry Redner

Mestres Malignos

Gentile
Heidegger
Lukács
Wittgenstein

Filosofia e Política no Século XX


Tradução: Leonildo Trombela Júnior




Prefácio e Introdução: parte 1/2 (1 de 2)





After such knowledge, what forgiveness? Think now
History has many cunning passages, contrived corridors
And issues, deceives with whispering ambitions,
Guides us by vanities.
T. S. Elliot





Prefácio

“Como a concisão é a alma da inteligência, eu serei breve”, promete o prolixo Polônio. Neste livro eu também prometo ser breve. Mas a brevidade tem seus contratempos – os ‘Polônios’ da filosofia exigirão longas exposições e demonstrações de cada ponto que eu deliberadamente evitei. Para eles, eu apenas posso responder para buscarem em outras e muito mais longas obras se quiserem ‘mais material com menos arte’. Em particular, eu posso recomendar meu recém-publicado A New Science of Representation, que estabelece o pano de fundo tanto filosófico como histórico em relação a este trabalho. Lá eles também encontrarão algumas meticulosas apresentações de argumentos que podem ser apenas brevemente abordados aqui. Pelo menos isso deve convencer qualquer um que eu posso ser tão túrgido e entediante quanto o melhor deles.

Se eu perdi por meio da brevidade eu ganhei em perspicácia, então que seja assim. De qualquer forma, não foi possível prover uma abordagem completa de quatro filósofos com material tão abundante como é o caso dos mestres malignos, cuja extensão dos manuscritos, muitos deles agora impressos, ultrapassa as dezenas de milhares de páginas. Quem acredita que esta obra teria um título mais apropriado se ela se chamasse Mestres Malignados, mostrará com facilidade a existência de virtudes ocultas nesses autores que eu me esqueci de mencionar e da existência de muitos comentaristas indispensáveis ​​ que eu não li. Eu não faço nenhuma reivindicação de onisciência sobre nada disso. Eu simplesmente dou suporte ao peso das minhas críticas. Deixe que as vozes discordantes tentem fornecer o contrapeso para equilibrar estas críticas.

Entretanto, devo avisá-los antes de qualquer tentativa, que eu ainda não terminei com esse capítulo na história da filosofia. Pretendo publicar pelo menos mais um livro, talvez intitulado Mestres Benignos, pois também tenho minha lista de heróis para confrontar com aqueles que quase todos admiram. Alguém muito desanimado pelos prognósticos – em sua maioria negativos – contidos neste livro ficará mais animado com o conteúdo mais positivo que virá em seguida.

O que eu pretendo realizar com este livro ‘negativo’ é simplesmente poupar os outros – principalmente os jovens – de todo o doloroso esforço realizado ao tentar  descobrir um profundo sentido nas atraentemente fascinantes obras dos mestres malignos. Eu desperdicei, muito daqueles que deveriam ter sido os meus melhores anos, em esforços fúteis. Todavia, se a minha experiência, como condensada neste livro, salvar alguns outros de embarcar em similar empreitada, então talvez esses anos todos não foram tão desperdiçados no final das contas. Embora eu ache que este livro terá sua utilidade, eu não faço nenhuma reivindicação especial em favor dele, tampouco espero usá-lo para fazer pregação aos outros. Eu me vejo no conto de fadas de Hans Andersen, interpretando humildemente o papel do garoto que exclamou a todos que o rei estava nu. Aqueles que estão no séquito do rei – os prudentes Polônios da filosofia, aqueles que a mesma nuvem pode parecer tanto uma doninha quanto uma baleia – continuarão sem dúvida a ver o rei esplendidamente vestido. Eu posso apenas reiterar que há mais entre o céu e a terra do que se sonha em suas filosofias.



Introdução

“Um filósofo moderno que nunca experimentou o sentimento de estar sendo um charlatão, é uma mente tão rasa, que sua obra provavelmente nem merece ser lida”1 . Assim disse Leszek Kolakowski bem no começo de uma obra sobre filosofia moderna. O áspero comentário sem dúvida é verdadeiro, mas de algum modo ele não atinge o ponto central, pois ele conta com algo que não pode mais ser garantido: a possibilidade de que haja uma clara diferenciação entre os filósofos que valham a pena ler – presumidamente os gênios – daqueles que são meros charlatães. De fato, ele reforça que, qualquer filósofo moderno que nunca duvidou suficientemente de si mesmo para cogitar a possibilidade de ser um charlatão, é provável que ele mesmo seja um. Mas a maioria dos largamente lidos e aclamados filósofos modernos nunca tiveram essa dúvida acerca de si mesmos. Apesar disso, não se pode simplesmente rotulá-los de charlatães.

Gênio ou charlatão – os dois extremos opostos de uma avaliação romântica, derivada da esfera estética, onde é aplicada aos artistas – são termos que não se adequam bem para esses pensadores incomuns, que são os mais famosos filósofos do século XX. São necessários outros termos mais precisos para designar suas indubitáveis realizações e falhas. Eu cunhei a expressão “mestres malignos” para esse propósito, pois ela constata tanto que esses filósofos são de fato mestres, como também constata que suas respectivas influências são algumas vezes malignas e em outras até perniciosas. Assim é possível evitar as alternativas exclusivas de “gênio” ou “charlatão” e até mesmo o apego a clichês do tipo “gênio mau”.

Nesta obra eu foco em apenas quatro desses mestres malignos. Apesar de eles não serem os únicos que podem ser discutidos nesses termos – pois há outros candidatos como veremos – esses são os quatro filósofos mais representativos da filosofia do século XX desde a Primeira Guerra Mundial e, possivelmente, os mais importantes. Gentile, Lukács, Heidegger e Wittgenstein: listei-os em uma ordem aproximada de precedentes temporais, com Gentile sendo o mais velho e já estabelecido mesmo antes da guerra; Lukács em segundo, com suas primeiras publicações aparecendo logo após a guerra; Heidegger em terceiro, com apenas uma pequena publicação durante a guerra; e por fim Wittgenstein, com seu primeiro trabalho aparecendo após o fim da guerra. Como irei mostrar em breve, todos eles são pensadores cujos trabalhos foram fortemente influenciados pela [Primeira] guerra e pela revolucionária inquietação que logo se seguiu. Cada um deles eram filósofos revolucionários que romperam com a anterior forma de pensamento mais racional, inaugurando assim uma corrente oposta que se tornou um vasto movimento; movimento esse que é muito mais que uma escola filosófica. Além disso, eles são mestres do pensamento contemporâneo no sentido pleno: eles escreveram obras-primas, exerceram indiscutível maestria sobre muitos discípulos e num número maior ainda de seguidores. Também seus textos ainda são lidos ex cathedra como se fossem leis em quase todas as Cadeiras de Filosofia.

Para que não pareça outra coisa,  gostaria de sublinhar  desde  o início  deste esforço crítico, que não é minha intenção menosprezar ou malignar a maestria desses mestres. Eles são indubitavelmente mestres; mas como tentarei mostrar, são de um tipo muito peculiar de mestres, pouco compatíveis com os grandes mestres que os precederam, ou até mesmo seus professores. E assim como os grandes ditadores daquele tempo, a quem eles seguiram, não podem ser comparados aos grandes estadistas do passado, pois suas realizações e falhas, embora muito mais momentâneas, eram de uma ordem completamente diferente. Também as obras dos mestres malignos não podem ser colocadas ao lado das obras dos grandes filósofos. Falando sobre Mahler, Wittgenstein disse que “foi preciso uma combinação de raríssimos talentos para produzir uma música ruim”2. Pode-se, com muito mais justiça, replicar essa afirmação de volta e dizer que foi preciso uma combinação de raros talentos para produzir esse tipo de “filosofia ruim”. Com a mesma justiça pode se dizer o mesmo dos outros mestres malignos, exceto que suas filosofias não são “ruins” em termos ordinários. Certamente há muitas formas em que eles podem ser considerados inferiores em comparação aos grandes filósofos do passado, mas isso não faz com que suas filosofias sejam pares com as filosofias ruins do passado. É preciso um novo conceito de “ruindade” para descrever seus trabalhos, pois uma mera “filosofia ruim” não poderia ter o extraordinário impacto que a filosofia dos mestres malignos teve no século XX. Eu recorri ao termo “maligno” para expressar algo desse paradoxo.

O fato de que eles eram malignos, torna-se evidente quando é relembrado como todos eles estavam estreitamente relacionados com os movimentos totalitários de suas respectivas épocas e, na maior parte dos casos, também ligados aoslíderes totalitários, ou seja, os próprios ditadores. Gentile, o mais antigo dos mestres malignos a adquirir proeminência, proclamou-se o “filósofo do fascismo”, cuja teoria política foi expressa com seu então neologismo “totalitário”. Ele era pessoalmente próximo de Mussolini, a quem ele hiperbolicamente denominou l’Uomo, O Homem, e considerou-o como o agente escolhido da Providência para liderar a nação italiana. Gentile se manteve devoto a Mussolini até o fim.

Heidegger não era menos devoto a Hitler, cujo bigode ele aparou pelo menos até o fim da guerra. O que ele pensou de Hitler depois da guerra não se sabe, mas desde antes da guerra Heidegger tinha Hitler como a encarnação do Destino enviada para salvar a Alemanha e o Ocidente das garras do niilismo. Mesmo após a guerra, Heidegger continuou a acreditar na “verdade interior e [na] grandeza do Nacional Socialismo”3, movimento fundado por Hitler; portanto é duvidoso se Heidegger alguma vez virou as costas para Hitler. Em 1943, logo após a batalha de Stalingrado, ele declarou numa palestra sobre Heráclito que, “os alemães e apenas os alemães podem salvar o Ocidente”4. John van Buren, que colheu essa citação, prossegue afirmando que “ele [Heidegger] manteve algo dessa versão até sua entrevista em 1966 para o jornal Der Spiegel”5. Assim, apesar de sua  cuidadosamente encenada pretensão de reabilitação, ele jamais admitiu estar enganado ao apoiar Hitler. Heidegger continuou a crer que, na derrota de Hitler e da Alemanha, o Ocidente perdeu a chance da redenção e caiu irremediavelmente na sombria noite do niilismo onde “apenas um deus pode salvar”6.

Lukács também sempre acreditou no seu líder escolhido – Stálin – desde o início da sanguinária batalha pela sucessão após a morte de Lênin, até a morte do próprio Stálin. Quando o próprio Partido reverteu sua linha estalinista com as revelações de Kruschev no vigésimo congresso do partido comunista, Lukács andou junto com o partido, mas jamais abandonou completamente sua crença em Stálin. Como ele continuou a manter sua posição de que, mesmo o pior do socialismo é melhor do que o capitalismo tem de melhor, é improvável que ele abandonasse a fé naquilo que Stálin conquistou. Ao longo do tempo em que Stálin esteve no poder, Lukács serviu habilmente como o apologista oficial do regime; talvez o mais respeitado internacionalmente e também o que mais tinha créditos para falar as mentiras necessárias ao regime. A princípio, isso não poderá ser usado contra ele, pois ele fez as devidas reverências, ainda que isso não possa ser considerado, pois ele foi obrigado a enunciar tudo o que lhe foi dito. Atualmente, há evidências consideráveis ​​ de que ele realmente veio a acreditar em suas próprias mentiras em um ato complexo de duplo pensar em que ele foi um dos primeiros expoentes.

Wittgenstein parece claramente um homem estranho nessa linha de leais ao totalitarismo, pois em comparação aos demais, ele parece apenas flertar com o totalitarismo, diferente do total engajamento e do casamento consumado dos demais. No entanto, havia uma considerável relação de paixão com os dois polos da política. O pano de fundo dele o predispôs às conservadoras – e até reacionárias – causas da velha Viena, de modo que sua colega comunista em Cambridge, Fania Pascal, o viu como um “conservador dos velhos tempos do Império Austro-Húngaro”7. Na realidade, as visões culturais de Wittgenstein eram “conservadoras-revolucionárias”: ele adotou o pessimismo cultural de Spengler; teve tendências a um autoritarismo anti-intelectual na religião e na política e era antissemita – não com a mesma virulência dos nazistas, porém com maior força do que seu mentor para esse tipo de assunto: o judeu que se odiava, Otto Weininger.

Ao mesmo tempo em que Fania Pascal fazia essa rotulação de Wittgenstein, ela ensinava russo a ele e a um amigo, para que assim ambos pudessem emigrar para a União Soviética, país ao qual ele era simpatizante e se sentia atraído por razões típicas de um “companheiro de viagem”. Ele declarou várias vezes na década de 1930 para discípulos e amigos: “Eu sou um comunista de coração”; Wittgenstein também nunca deixou de evidenciar seu considerável entendimento sobre o que Stálin ‘tinha de fazer’ mesmo após uma visita à Rússia em 1935, no auge da ‘limpeza’ que Stálin realizava; E ele continuou a nutrir planos de se estabelecer lá, pelo menos até o episódio de Anschluss em 1938. Keynes, numa carta de recomendação datada de 1935 ao embaixador soviético Maisky, diz de modo suave que “ele [Wittgenstein] não é um membro do Partido Comunista, mas tem fortes simpatias pelo modo de vida ao qual ele acredita que o novo regime russo representa”8. Seus colegas comunistas da ‘Red Cambridge’, aos quais ele era fortemente associado, o consideravam um forte apoiador e talvez até um aberto e sincero estalinista.

Parece, portanto, que Wittgenstein era de alguma forma dividido nas suas lealdades políticas, de modo que na sua terra natal, Viena, ele seguia uma linha direitista, enquanto em Cambridge ele era um esquerdista – um estranho conto de duas cidades. Não ficou claro se essa posição era por uma pura inaptidão política e ingenuidade ou por alguma política de duplo pensar. Um ex-aluno, chamado Findlay, diz que a personalidade difícil de Wittgenstein “é tecnicamente descritível como ‘esquizoide’: havia algo de estranho, desligado, surreal e incompletamente humano ali”9. Por outro lado, é possível que ele fosse muito mais consistente nas suas convicções e tenha subscrito à paradoxal política de extrema esquerda e direita, conhecida nos anos 1920 como “nacional bolchevismo”, tal como adotada pelos protonazistas Niekisch e Jünger; Ou, como é mais provável, ele chegou a alguma variante peculiar própria combinando todos esses fatores. Sua personalidade altamente reservada dificulta extrair uma imagem do que estava ocorrendo na sua mente sobre tudo aquilo.

Diferente dos outros mestres malignos, Wittgenstein era um recluso que não buscava estabelecer contato direto com qualquer um dos grandes ditadores ou mesmo ter um papel significante na política. Os outros buscaram isso, pois no fundo de seus corações, eles não se consideravam meros seguidores dos seus líderes escolhidos, eles se viam como rivais também, competindo com eles pela expressão intelectual do significado histórico da causa totalitária que defendiam em comum. Isso é bem colocado por Lucien Goldmann, um seguidor de Lukács, durante uma estendida comparação entre seu mestre e seu principal rival político e filosófico Heidegger: “numa perspectiva histórica, Heidegger situa a si mesmo no mesmo nível de Hitler, Lukács no mesmo nível de Stálin e, como ambos expressaram a mesma totalidade no nível de consciência, é permitido dizer que eles entenderam a natureza dos fatos políticos melhor que seus próprios líderes”10. Como mostrarei mais tarde, foi nessa expressão de totalidade em suas filosofias que eles foram inexoravelmente levados a uma expressão totalitarista na política. Mas o passo da totalidade para o totalitarismo não é de forma alguma simples ou óbvio e, por causa de uma razão mais forte (a fortiori) e logicamente considerada, não era necessariamente inevitável esse caminho, apesar de todos os mestres malignos o terem dado.

Gentile foi o primeiro a fazê-lo, pois ele achava que havia entendido o fascismo melhor que Mussolini, dado que ele assimilou a ideologia na sua filosofia da totalidade. Houve um ponto em que Gentile escreveu (como ghost writer) o artigo de Mussolini para a Enciclopedia Italiana contendo a definição oficial sobre o fascismo – enciclopédia que o próprio filósofo editou. Ele estava irritado, pois no mundo da política prática ele fez pouca diferença. Além disso, ele não considerava o seu Idealismo Atualista uma mera filosofia entre as outras, apesar de verdadeira e correta, mas muito mais que isso: era a expressão definitiva do espirito religioso da humanidade. Estava além de argumentação ou debate, pois tinha a história ao seu lado:


Com o advento do Idealismo, a filosofia saiu da sala de aula e da biblioteca, tal como havia feito durante o período glorioso do Risorgimento e entrou no movimento universal do Espírito na magistral estrada da História. E a coisa realmente procede desse jeito, ao ponto de nenhuma polêmica poder pará-la.11

O que permanece não declarado, mas está necessariamente implicado, é que o provedor dessa irresistível força intelectual não é ninguém menos que o próprio Gentile.

Há também mais que uma sutil similaridade de religiosidade megalomaníaca nas ambições dos demais mestres malignos. De acordo com um dos discípulos próximos de Lukács, Ferenc Feher, seu mestre tinha a “ambição intelectual de se tornar um novo Agostinho de uma ecclesia universalis et militans12. Heidegger também tinha aspirações espirituais análogas em relação ao Nazismo, que ele viu como o único movimento capaz de salvar o mundo do destino fatal da tecnologia niilista. Ele viu a si mesmo como líder de um movimento que ia em direção àquilo que seu discípulo Hans-Georg Gadamer descreveu como “a grande renovação da força espiritual e moral do povo que ele sonhou e ansiou como a preparação de uma nova religião da humanidade”13. Não inesperadamente, “mais tarde, quando ele continuou a sonhar seu sonho de uma ‘religião nacional’ apesar de toda a realidade, ele ficou naturalmente muito desapontado com o curso dos eventos”14. (Acima de tudo, presumidamente, por Hitler ter perdido a guerra.) Em contraste com os outros, Wittgenstein não tinha uma ambição religiosa e política imediata para suas obras durante seu tempo e lugar, pois ele tinha esperanças apocalípticas para o futuro. De acordo com seu biógrafo oficial Brian McGuiness, ele acreditou que estava “escrevendo para uma futura raça, para pessoas que pensariam de um modo totalmente diferente; aqui sua similaridade com Nietzsche é muito evidente”15. Não há apenas uma evidente similaridade com Nietzsche a esse respeito, mas até maior similaridade com os outros mestres malignos que foram seus contemporâneos e que tinham similares esperanças para o futuro.

Tais ambições não eram sonhos completamente vangloriosos no turbilhão cultural e político da Europa depois da Primeira Guerra Mundial, época em que os mestres malignos chegaram à maturidade. Na verdade, três deles alcançaram tão rapidamente o poder mundano, que pareceu que os filósofos poderiam ser reis por um dia. Lukács tornou-se Comissário de Cultura na ditadura de Bella Kun e controlou todo o establishment acadêmico e cultural da Hungria por alguns dias em 1919. Anos depois, Gentile ocupou o cargo de Ministro da Educação da Itália por um tempo maior e instaurou a “mais fascista de todas as reformas”, segundo o próprio Mussolini. Heidegger não atingiu posição tão alta no regime de Hitler, mas talvez inspirado por Gentile, como sugere Croce, ele tentou voos até mais altos16. Ele atirou-se com muito ardor nas maquinações políticas e acadêmicas que se seguiram à tomada de poder dos nazistas e na institucionalização da política antiliberal e antissemita do Gleichschaltung, onde Heidegger celebrou e carregou alegremente o título de Reitor de Freiburg.

Apesar das grandes habilidades e devoção às suas causas, em todos os casos os momentos de poder e glória de cada um dos mestres malignos foram esporádicos e curtos. Eles rapidamente expiraram suas utilidades aos seus mestres e superiores políticos nos seus respectivos partidos. Já no exílio, após ter falhado a revolução na Hungria, Lukács logo veio a quebrar o acordo feito com Kun, o líder partidário favorecido por Stálin. Lukács era visto por Stálin como um intelectual menor, subalterno e útil. Gentile se achava melhor que Mussolini, não obstante, foi “chutado para cima” para um cargo honorífico, mas sem poder algum, de dignitário sênior. Heidegger voltou-se para seu retiro acadêmico por sua própria vontade, por razões complexas que  ainda não estão  totalmente claras, mas  podem,  como  sugere  Faria, ter algo que ver com o assassinato de Röhm e suas consequências. Wittgenstein nunca emergiu da sua isolação semimonástica na academia, pois ele era o único que não tinha claras ambições políticas.

Tudo isso, como mostrarei, teve grande influência não apenas na carreira dos mestres malignos, mas também em suas obras, pois essas também desempenharam um considerável grau de função em seus tempos. Os mestres malignos eram da mesma geração pós-1914 dos grandes ditadores; homens que emergiram das trincheiras da guerra e marchas revolucionárias e entraram em movimentos totalitários que se mobilizaram para a guerra total. O caráter das obras deles reflete essa experiência extrema pela qual passou essa geração. Karl Löwith possivelmente foi o primeiro a mostrar como os próprios termos da filosofia primitiva de Heidegger “refletem a desastrosa intelectualidade germânica que se seguiu após a Primeira Guerra Mundial: na base, todos esses termos e conceitos são expressões da amarga e dura determinação que se afirma perante o nada, orgulhosa do desprezo pela alegria, razão e compaixão”17. Algo similar acontece nos trabalhos primitivos dos demais mestres malignos, como mostrarei adiante.

Como os grandes ditadores que fundaram suas causas e fundaram a si mesmos durante o curso de guerras e revoluções, os mestres malignos também tiveram seu “batismo de fogo”. Direta ou indiretamente, todos eles estavam sujeitos à violência da época. Wittgenstein serviu no front com muita bravura; Heidegger tentou fazer parecer que fez muito bem, mas esteve no serviço postal longe da batalha; Lukács também evitou a luta trabalhando no serviço postal, mas ele tentou compensar mais tarde nas subsequentes revoluções; Gentile estava muito velho para o combate, mas mesmo assim se saiu um ótimo propagandista de guerra. Como resultado dessas experiências, todos eles foram submetidos (quase ao mesmo tempo) por um processo quase religioso de conversão. Wittgenstein foi o primeiro a se ‘converter’ em 1916, quando descobriu o Cristianismo primitivo através dos escritos de Tolstói, e fez disso um misticismo inefável e sem doutrina. Gentile converteu-se à ‘religião da nação’ sob o impacto da derrota de Caporetto em outubro de 1917, coisa que, segundo ele, fez os italianos ficarem cientes pela primeira vez do caráter ético e religioso do estado. Esse foi o prelúdio daquilo que seria a adesão ao fascismo onde ele também falou em termos religiosos, insistindo que “como toda fé, o fascismo também tem um caráter religioso”18.

Um recente biógrafo do jovem Heidegger, John van Buren, nota que “os detalhes da conversão filosófica e teológica de Heidegger durante os anos 1917-18 da guerra, estão mais claros para nós nos dias de hoje, mas boa parte deles ainda estão envoltos de escuridão”19. O que fica claro é que Heidegger passou por uma crise de fé que o fez abandonar seu nativo catolicismo e converter-se à uma espécie de ‘protestantismo privado’. Thomas Sheehan afirma que “em carta ao Professor Rudolf Otto [...] Husserl recorda – como se estivesse descrevendo a conversão de um Santo Agostinho moderno – as difíceis horas em que Heiddeger passou por ‘conflitos internos’ que o levaram a ‘mudanças radicais em suas convicções religiosas básicas’. Mas o resultado, conforme Husserl escreveu, foi feliz: Heidegger migrou para o terreno do protestantismo”20. Mais tarde, em 1931, Husserl estava menos otimista com esse ‘feliz’ resultado e disse que “a guerra e suas subsequentes dificuldades levaram os homens ao misticismo”21. A guerra teve efeitos similares em Lukács, que se converteu ao bolchevismo – um credo rejeitado por ele até então, conforme uma de suas amigas próximas, Anna Lesznai, relatou: “entre um domingo e outro, Saulo tornou-se Paulo”22. Essa iluminação da estrada para Moscou deu a ele algum alívio após seus infelizes anos de desejos não satisfeitos, além de objetivos e metas para seus reprimidos, mas ainda indeterminados, desesperos e esperanças escatológicas.

A crença religiosa que cada um dos mestres malignos cultivou pode ser chamada de ‘teologia privada’, algo que mais ou menos aproxima daquilo que no assado se chamaria de uma ‘heresia cristã’. Como notaram Hans Jonas e Karl Löwith, a teologia filosófica de Heidegger é uma versão moderna e secularizada do gnosticismo antigo, assim como afirma, em outros termos, Karl Jaspers em suas notas sobre Martin Heidegger23. A heresia de Lukács é uma versão politizada de um messianismo milenar de forma marxista, uma espécie de credo apocalíptico de uma teologia secular. Um de seus amigos próximos, Ernst Bloch, estava ciente da procedência religiosa das políticas comuns e tentou em 1921, com o livro Thomas Münzer: Theologian of Revolution, delinear os precedentes heréticos do pensamento revolucionário quiliástico:


Os Irmãos do Vale, os cátaros, os valdenses, os albigenses, Joaquim de Fiore, Francisco e seus discípulos, os Irmãos da Boa Vontade, os preservadores da vida comunal, os Irmãos do Livre Espírito, Mestre Eckhart, os hussitas, Müntzer e os batistas, Sebastian Franck, os filósofos do iluminismo, o misticismo humanista de Kant e Rousseau, Weiling, Baader, Tolstói...24

A marca peculiar da heresia de Wittgenstein parte de Tolstói e segue voltando até aos quietistas e outros heresiarcas primitivos. É um retorno às simplicidades dos primórdios do evangelho cristão, ou seja, a crença de que a fé é matéria para o coração e não para a cabeça; que pessoas humildes e crianças estavam mais próximas de Deus e da verdade da vida do que os filósofos e os teólogos. Gentile expôs uma variante herética do catolicismo, que no lugar de Cristo e a Igreja, ele colocou a Nação e o Estado. Ele declarou que sua filosofia, o Idealismo Atualista, era uma religião, ou uma ‘filosofia teologizzante’ nos termos de Vico.

Os mestres malignos estavam totalmente cientes da procedência religiosa de seus pensamentos e estavam ocasionalmente preparados para admitir isso nos seus escritos e conversas particulares mais do que em suas obras publicadas. Em uma carta de 19 de agosto de 1921, que Heidegger endereçou ao seu discípulo Karl Löwith, ele escreve: “Eu trabalho combinada e facticamente fora do meu ‘eu sou’, fora de toda minha origem intelectual e fática, meio, contexto de vida e qualquer outra coisa que está disponível para mim como experiência de vivência [...] À essa minha facticidade, eu diria, de modo breve, que sou um ‘teólogo cristão’”25. Wittgenstein declarou no fim de sua vida ao seu discípulo Drury: “Eu não posso deixar de olhar todos os problemas de um ponto de vista religioso”26. Gentile declarou publicamente ser católico e sua filosofia cristã, apesar da sua igualmente pública hostilidade à Igreja. Lukács, embora convertido ao luteranismo no começo de sua vida, ficou fortemente atraído para o catolicismo, ao qual ele elogiou com termos extravagantes, junto com seu amigo Bloch. Ele tornou-se comunista mais tarde, pois o viu como sucessor moderno do catolicismo, conforme escreveu que “o sistema do socialismo e sua visão de mundo, o marxismo, formam uma unidade sintética – talvez a mais implacável e rigorosa síntese desde o catolicismo medieval”27. Em carta datada de 1913 ele comenta que “a última força ativa cultural na Alemanha, o socialismo naturalista-materialista, deve sua eficácia a elementos religiosos velados”28. Não é surpresa Thomas Mann ter usado Lukács como modelo para Leo Naphta, um jesuíta de origem judia que tenta casar ideias comunistas revolucionárias sob o manto da Igreja.

Digo aqui meramente como um fato interessante, que talvez não seja mera coincidência, que todos os mestres malignos e quase todos os ditadores totalitários daquele contexto foram atraídos ou se atraíram por uma forma pervertida de catolicismo. A única exceção é Stálin, que apesar disso, tornou-se seminarista na Igreja Ortodoxa da Geórgia, que mesmo assim guarda algumas semelhanças. Essas semelhanças refletem a si mesmas de numerosas formas no pensamento dos filósofos e nas práticas organizacionais e simbólicas dos políticos. Isso é algo que os historiadores não deram muita atenção. Eu não trarei isso à tona, pois dar o devido tratamento histórico a esse assunto está além do escopo deste livro.

Os mestres malignos não foram os únicos a desenvolver uma filosofia teológica nesse período; muitos outros o fizeram e não necessariamente derivaram do catolicismo. O protestantismo, a ortodoxia russa e o judaísmo também proveram bases para essas filosofias que hoje são coletivamente denominadas “existencialismo”. Karl Löwith, dentre suas várias menções de pensadores, traça uma linha paralela entre Heidegger e o existencialista judeu Franz Rosenzweig (que era amigo do filósofo sionista Martin Buber); essa linha foi ironicamente traçada à luz da conhecida hostilidade de Heidegger aos filósofos judeus. Rosenzweig, que também filosofou fora de suas experiências de guerra, defendeu a interpretação da teologia e da filosofia,como nota Löwith:

Rosenzweig diz que a filosofia dos dias atuais demanda que os teólogos filosofem. Filosofia e teologia dependem uma da outra e juntas produzem um novo tipo de filósofo teólogo. Problemas teológicos precisam ser traduzidos para o humano e o humano precisa ser levado aos teológicos – uma caracterização desse novo modo de pensar que pode ser aplicado tanto à Heidegger como à Rosenzweig, apesar de a atitude de Heidegger em face ao cristianismo ser de afastamento, enquanto a de Rosenzweig em relação ao judaísmo é de retorno.29

Löwith deixa claro que muitos pensaram nessa linha ao dizer que “o mesmo espírito dessa época produziu os primeiros escritos de Eugen Rosenstock-Huessy, Martin Buber, H. e R. Ehrenberg, Carl von Weizsäcker, F. Ebener e o começo da ‘dialética teológica’, que também pertence a esse período histórico posterior à Primeira Guerra Mundial”30. Pode-se facilmente adicionar a essa lista vários outros nomes de um lado ao outro da Europa.

Mas se essa era a tendência comum característica de toda uma geração – ou “espirito da época” por assim dizer, por que foram os mestres malignos aqueles que o arrebataram tão decisivamente de forma que suas filosofias se tornassem dominantes mais tarde? Em outras palavras, o que distinguiu os mestres malignos dos vários outros que também produziram uma filosofia teologizzante naquela época? Uma resposta simplicista seria dizer que eles eram os mais capazes e geniais, enquanto os outros, de alguma forma, eram inferiores. Mas essa resposta não basta, uma vez que os mestres malignos tinham um ou mais colegas que não eram inferiores como pensadores, mas que não atraíram o mesmo nível de atenção e influência. Jaspers é tão pior que Heidegger ou Bloch menos capaz que Lukács ou Moore e Schlick não são páreos para Wittgenstein? Por outro lado, dizer que os mestres malignos eram mais astutos por apresentarem uma ‘mensagem’ religiosa que a época pedia, de uma forma mais adequada (ou disfarçada) aos incrédulos, de modo a não recorrer às Igrejas e aos credos, seria dizer que eles eram superiores apenas no charlatanismo. Mas como sublinhei anteriormente, eles não eram nem gênios e nem charlatães em qualquer sentido óbvio. É verdade que eles eram pensadores de grande astúcia – principalmente quando faziam uso do oportunismo – e sabiam mistificar e confundir seus pensamentos de modo a dá-los uma aura de inacessibilidade e grande profundidade, e isso foi sem dúvida um fator de sucesso, mas somente isso não pode ser a explicação toda.

Pelo menos parte da explicação deve ser encontrada nas personalidades pouco usuais e o efeito que elas exerciam sobre os outros, particularmente em estudantes jovens e seguidores, numa época em que ‘personalidade’ era um fator crucial para determinar quem seria seguido, quais ideias seriam aceitas, fossem nos campos político, intelectual ou artístico. É indubitável o efeito carismático que os mestres malignos tinham sobre seus amigos e pupilos; até seus mentores ficaram especialmente impressionados desde o início. Husserl, escrevendo uma carta de referência de Heidegger, endereçada a Paul Natorp em Marburg, não deixa de mencionar a ‘personalidade original’ (originelle Persönlichkeit) de seu ‘Privatdozent’. Hannah Arendt, outrora uma jovem estudante e amante de Heidegger, atribui muito do sucesso de Heidegger ao fator personalidade: “Na verdade, é discutível se o sucesso incomum deste livro (Ser e Tempo) – e não apenas o impacto imediato que tinha dentro e fora do mundo acadêmico, mas também a sua extraordinária influência duradoura, com o qual poucas publicações deste século podem ser comparadas – teria sido possível se não fosse precedido pela reputação do professor entre os alunos...”31. Findlay, que encontrou muitos filósofos durante sua longa vida, escreveu quase em seu fim: “Wittgenstein tem um carisma intelectual muito maior do que qualquer outro filósofo que já encontrei”32. Com poucas exceções, como o próprio Findlay, a maioria dos pupilos de Wittgenstein tornaram-se discípulos com uma devoção ao longo de toda a vida a ele e suas obras. Os alunos de Gentile não eram menos devotos a ele, pelo menos por um tempo, pois alguns romperam com ele quando ele se tornou um fascista, e muitos quando o fascismo colapsou; pouquíssimos persistiram na intocável lealdade. Porém, no seu apogeu na década de 1920, seu tradutor para o inglês, o filósofo H. Wildon Carr escreveu que “Gentile foi famoso em seu país por conta de seus escritos históricos e filosóficos e muito mais pelo fervor e o número de discípulos que atraiu”33. Lukács lecionou em universidade apenas quando já estava no ocaso de sua vida, quando sua influência sobre os alunos já era profunda; Mas muito antes disso, no começo de sua vida intelectual, seus amigos do dito Círculo Dominical em Budapeste já o tratavam como um mestre estabelecido, um reconhecido gênio.

Como e porque os mestres malignos conseguiram impressionar seus alunos, amigos e mentores, é bem explicado por Hans Jonas, um dos alunos de Heidegger em Freiburg no final da década de 1920, onde havia ido para estudar com Husserl, que pareceu muito menos impressionante para ele:

Edmund Husserl e Martin Heidegger: dos dois, Heidegger era muito mais excitante... Primeiramente, porque ele era muito mais difícil de entender. Isso era estranhamente atrativo para um jovem e ardente aluno de filosofia que ainda estava no estágio de aprendizado; uma estranha atração, um convincente pressuposto de que havia algo escondido por trás e que valia a pena ser compreendido, uma sensação de algo estar havendo ali, que uma nova obra estaria realizando algo novo... Aqui se está chegando perto do centro do pensamento filosófico. Isso ainda é um mistério, mas algo está acontecendo aqui, de modo que (como eu deveria dizer isso), as preocupações derradeiras do pensamento em geral e da filosofia estão sendo tratados.34

Pode-se quase certamente desenterrar testemunhos análogos para as habilidades de ensino, a extraordinária capacidade de excitar e mistificar ao mesmo tempo no decorrer da vida dos demais mestres malignos. Partindo disso, não deve se supor que eles eram apenas capazes de trabalhar com jovens incultos de mentes impressionáveis, pois não é raro encontrar intelectuais e filósofos mais velhos e experientes que sucumbiram à influência hipnotizante do mesmíssimo culto da ‘nova’ pregação da absoluta auto certeza que não admite dúvidas. A esse respeito, é instrutivo ler as anotações de Friedrich Waismann aos monólogos de Wittgenstein – pois eles não podem ser chamados de ‘conversação’ – perante alguns distintos filósofos do Círculo de Viena, tais como Schlick, Carnap, Feigl, Hahn, entre outros. Eles ouviram respeitosamente Wittgenstein expor pontos de vista que soariam repugnantes para muitos deles, especialmente aqueles referentes à ética, religião e outros filósofos, tal como Heidegger, que àquela época atraia a simpatia de Wittgenstein, mas não dos outros que o assistiam35. Mais tarde, alguns deles acordaram do feitiço hipnótico, enquanto outros, como Schlick, jamais acordaram. Já Waismann e alguns outros não conseguiram se livrar totalmente do feitiço. O que é que fazia tais pessoas serem suscetíveis aos mestres malignos?

No clima volátil que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, quando velhas verdades e velhos mestres que as mantiveram caíram em total descrédito – junto com a velha ‘cultura burguesa’ que as fomentaram –, é que os cultos à juventude proliferaram e qualquer um que tivesse ideias atrevidas, arrojadas ou paradoxais tinha um público pronto para ouvi-lo. Naquele tempo de turbilhões, tanto dentro como fora das universidades, ‘apelo carismático’ e ‘personalidade’ foram fatores determinantes para o sucesso e a fama em todas as esferas da sociedade. Nas universidades, os professores que eram pregadores, foram para frente; nas ruas, nos baixos níveis das políticas de massa, os grandes demagogos começavam a ensaiar um agito carismático nas multidões reunidas. Há nítidos paralelos entre o que estava acontecendo dentro das salas de aula universitárias e fora delas. O vácuo criado pelo descrédito da antiga geração e cultura deu espaço para novos – e autointitulados – salvadores, profetas e líderes. Num tempo de angústia e aflição em todos os aspectos (moral, político, artístico, intelectual e econômico), os novos credos, ideologias, movimentos artísticos e, para um público mais seleto, novas filosofias, eram todos ansiosamente recebidos de braços abertos.

Em suas reflexões autobiográficas, Löwith apresenta as pressões que o fizeram ‘escolher’ Heidegger como seu mestre:

Naqueles anos decisivos após o colapso de 1918, minha amizade com P. Gotheim me colocou em um dilema: entrar no círculo que havia em volta de Stephan George e Friedrich Gundolf ou me tornar um seguidor solitário de Heidegger que, embora de uma forma diferente, não deixava de exercer força ditatorial sobre as mentes jovens, apesar de nenhum de seus ouvintes terem entendido onde ele queria chegar. Em tempos de dissolução, há diferentes tipos de “Führer” que se assemelham uns aos outros apenas na medida em que rejeitam radicalmente o que existe e se determinam a apontar um caminho para “a única coisa que importa”. Eu decidi ficar com Heidegger, e essa decisão positiva também formou o alicerce da crítica que eu publiquei trinta e cinco anos depois sob o nome de Heidegger: Denker in dürftiger Zeit (1953), que serviu para quebrar o feitiço de uma imitação estéril por parte de seus seguidores fascinados e torná-los conscientes da questionabilidade do método de pensamento histórico-existencial de Heidegger.36

Infelizmente, quando Löwith publicou sua crítica, já era tarde demais, uma vez que Heidegger, assim como os demais mestres malignos, já havia formado um sustentáculo inquebrável feito de muitos seguidores, onde algumas deserções não fariam diferença.

Sob essas circunstâncias pouco usuais, os mestres malignos exerceram a influência cultural mais paradoxal possível, pois eles são considerados um dos primeiros modernistas antimodernistas. Essa expressão paradoxal serviu para transmitir o ponto de vista modernista pelo qual os mestres malignos atacaram o próprio modernismo de onde eles próprios vieram. Max Weber refere a esse tipo de desenvolvimento paradoxal – ao qual ele observou antes de 1918, ou seja, antes de qualquer mestre maligno surgir no cenário filosófico – como uma “forma intelectualista moderna do irracionalismo romântico”, uma expressão que é implicitamente paradoxal37. Weber afirma que essa tendência a procurar uma ‘experiência’ pseudo-religiosa é característica da geração que ele chama de “juventude alemã”. Essa é a mesma geração a qual os mestres malignos apelaram, imediatamente após 1918, com obras que incorporavam de variadas maneiras a “forma intelectualista moderna do irracionalismo romântico”. Fosse com o “irracionalismo” anticientífico, os devaneios antiliberais ou com os apelos pseudo-religiosos, essas obras exemplificaram as tendências às quais Weber declarou suas restrições antes mesmo que elas fossem escritas; Uma critique avant la lettre, por assim dizer.

A ‘juventude’ a quem Weber endereçou seus avisos não ouviu suas orientações, tanto para a política como para a filosofia. A declaração dele de que “o profeta por quem, na nossa geração mais nova, tanto anseiam simplesmente não existe” não foi levada em conta38. Tampouco aceitaram que “Se não houver tais homens, ou se sua mensagem já não for recebida com confiança, então, certamente não forçaremos o seu aparecimento nesta Terra, fazendo que milhares de professores, como assalariados privilegiados do Estado, tentem, como pequenos profetas em suas salas de aula, assumir tal papel”39. Dos milhares de professores que tentaram e falharam, alguns tiveram sucesso em serem aceitos como “profetas ersatz[i] de gabinete”, ou literalmente, sábios de cadeira universitária.



[i] Nota do tradutor.: Feito para ser usado como substituto por ser de qualidade inferior. 



REDNER, Harry.  Mestres Malignos. Tradução de Leonildo Trombela Júnior. 2014,  pp. 4-22.


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