Harry Redner
Mestres Malignos
Gentile
Heidegger
Lukács
Wittgenstein
Filosofia e Política no Século XX
Tradução: Leonildo Trombela Júnior
Prefácio e Introdução: parte 2/2 (2 de 2)
Os mais bem sucedidos foram aqueles que pregaram uma mensagem de destruição da velha ordem da filosofia, para que depois pudesse usá-la para fins próprios. Essa é a mensagem apocalíptica que pode ser facilmente encontrada na obra dos mestres malignos.
Que eles estavam totalmente cientes do que estavam pregando e quais consequências aquilo poderia encadear não está tão evidente em suas obras como está em seus pronunciamentos e afirmações feitos em vida. Heidegger, em carta para Karl Löwith, no início da década de 1920, afirma abertamente que seu objetivo é a destruição da filosofia e da cultura – e ele parece completamente despreocupado com as consequências disso:
Em vez de abandonar-se à necessidade geral de tornar-se culto, como se tivesse recebido a ordem para “ver a cultura”, é necessário – através de uma redução radical e desintegração, através de uma destruição - convencer-se firmemente da «única coisa» necessária, sem prestar atenção ao ideal e a agitação de homens empreendedores e inteligentes... Minha vontade, pelo menos, é direcionada para outra coisa, e não é muito: viver em uma situação de turbulência de facto; Eu estou perseguindo o que eu sinto ser “necessário”, sem se preocupar se o resultado será uma “cultura” ou se essa busca será uma precipitação à ruína.40
Escrevendo no início da carreira, antes de atrair a fama, na intimidade de uma carta para um discípulo, Heidegger foi mais franco e honesto do que ele jamais voltaria a ser mais tarde nas suas obras publicadas. Ele era fiel às suas palavras e conseguiu de alguma forma, ‘precipitar-se à ruína’ através da ‘redução radical e desintegração, através da destruição’.
Os outros mestres malignos também tinham intenções destrutivas, porém cada um manifestou isso de uma forma peculiar. O sucesso de cada um deles nesse esforço (que agora está acima de qualquer dúvida) deu-se principalmente no fato de eles, durante tempos turbulentos e críticos, estourarem na cena filosófica com obras altamente provocativas e pouco usuais. Em ordem cronológica de aparição veio primeiro o livro Teoria geral do Espírito como ato puro (1916) de Gentile, o Tractatus Logico-Philosophicus (1921) de Wittgenstein, o História e Consciência de Classe (1923) de Lukács e o Ser e Tempo (1927) de Martin Heidegger.
O primeiro livro de Gentile foi publicado durante a Primeira Guerra Mundial e, mais tarde, foi traduzido para o inglês por Wildon Carr sob o errôneo título de A Theory of Mind as Pure Act. Em muitos aspectos, além de ser o mais antigo, esse livro também foi o mais tradicional filosoficamente entre os quatro, assim como o próprio Gentile, que era o mais velho e estabelecido dos mestres malignos. A obra pode ser considerada a introdução à metafísica Idealista, elaborada subsequentemente em seu livro Sistema di Logica, publicado em dois volumes, respectivamente nos anos de 1917 e 1923.
Lukács também não era novato quando sua primeira grande obra apareceu. Apesar de não ter se estabelecido no mundo acadêmico, ele já havia publicado antes da guerra duas obras importantes sobre estética: Teoria do Romance e A alma e as formas. Mesmo assim, foi sua primeira grande obra de 1923 que faria com que seu nome fosse lembrado na posteridade. O próprio Lukács considera as outras obras como preparatórias – e assim eu também considerarei daqui em diante.
De Wittgenstein e Heidegger quase não se ouviu falar antes de eles estabelecerem suas respectivas reputações com suas grandes obras. Apesar de Heidegger ter publicado uma dissertação sobre Duns Scot e Wittgenstein ter ditado um dossiê de notas sobre lógica durante seu primeiro período em Cambridge antes da guerra, todo esse material só ficou conhecido para os amigos.
Com a possível exceção de Gentile, é possível constatar como cada um dos mestres malignos infundiu experiências de guerra e revolução em suas respectivas obras-primas primárias[i]; Isso trouxe extraordinário apelo e sucesso a essas obras. A obra de Lukács, que expôs um novo tipo de hegelianismo-marxismo, eventualmente tornou-se ponto de partida para vários outros expoentes do marxismo não-ortodoxo, que juntos, abrangeriam o movimento que ficou conhecido mais tarde como Marxismo Ocidental. A obra de Wittgenstein ajudou a dar início ao Positivismo Lógico e desempenha um papel chave na Filosofia Analítica que ainda é exercido até os dias atuais. A obra de Heidegger teve um impacto análogo no surgimento do movimento da filosofia existencialista e, mais tarde, na Escola Continental em geral. A obra de Gentile foi menos influente fora da Itália, apesar de ela sustentar o que sobrou das tradições idealistas ao redor do mundo. Na Itália, porém, a excepcional influência da obra ajudou-a a se imergir com a maré crescente do fascismo até assumir um status semioficial. O que é agora quase esquecido fora da Itália tem muito a ver com o colapso do fascismo após a Segunda Guerra Mundial e com a inoportuna morte de Gentile que se deu ao mesmo tempo.
Caracteristicamente, por volta da mesma época no final da década de 1920 e no começo de 1930, cada um dos mestres malignos começou a dar as costas ou se virar contra suas próprias obras-primas, em maior ou menor grau, num contra-movimento de pensamento que Heidegger e seus comentaristas deram o nome de Kehre. O fato de que cada um dos mestres malignos tenha passado pela sua própria virada (ou Kehre) por volta da mesma época não é uma mera coincidência histórica ou uma harmonia pré-estabelecida na história do puro Espírito. Como irei mostrar, isso está intrinsecamente ligado aos eventos do mundo político e ao movimento abrupto em direção ao totalitarismo que tomou conta, também não coincidentemente, dos principais países da Europa. Estudarei os efeitos desse processo político na esfera mais alta, abstrusa e intelectual onde ela adquire uma forma aparente de progressão ‘lógica’ da totalidade para o totalitarismo.
O envolvimento com o totalitarismo provou-se como pouco feliz para os mestres malignos. Cada um teve a própria experiência de decepção e rejeição; Cada um foi forçado a recuar para uma (ou outro tipo de) solidão acadêmica. Em tais condições de isolação, cada um procedeu com escritos que só apareceram mais tarde – costumeiramente post mortem, às vezes depois da Segunda Guerra Mundial. Dentre as numerosas publicações que apareceram sob o nome de cada mestre, ficarei restrito a uma obra-prima primária e uma obra-prima secundária que complemente a primeira. Desse modo, também considerarei a Gênese e Estrutura da Sociedade (1946) de Gentile, a Destruição da Razão (1952) de Lukács, as Investigações Filosóficas (1953) de Wittgenstein e o Nietzsche de Heidegger (majoritariamente composto entre 1935 e 1945, mas publicado somente em 1961). A diferença aqui entre obra-prima ‘primária’ e ‘secundária’ é para se referir a uma filosofia posterior em relação a uma anterior. Há uma grande extensão de comentários explorando a relação entre a filosofia inicial e a secundária de cada um dos mestres malignos separadamente. Parece que ninguém percebeu que há um padrão similar na obra de todos eles onde questões e problemas similares surgem. O padrão, no seu modo mais simples, é que primeiro vem uma obra-prima primária, seguida de uma Kehre e subsequentemente uma obra-prima secundária.
Esse padrão acontece em menor escala no caso de Gentile que, como já afirmei, era muito mais o tipo de filósofo tradicional, se comparado aos demais. Ele parece ter perseverado com a mesma filosofia do Idealismo Atualista do começo até o fim e nunca abjurou formalmente dos seus primeiros escritos como os outros fizeram. Mesmo assim, o padrão de uma filosofia anterior e uma posterior mediada por uma virada está pelo menos incipiente na obra de Gentile. Assim, o comentarista simpático à Gentile, H.S. Harris, argumenta contra a afirmação mantida por Mario Rossi, um amigo próximo de Gentile, que escreveu: “nenhuma diferença de teoria ou inconsistência pode ser encontrada entre a primeira afirmação teórica [...] e o Gênese, composto trinta anos depois”. Harris insiste no contrário e diz que “há ali uma ‘diferença teórica’ de primeira importância”41. E há poucas dúvidas que a diferença é largamente atribuída ao aprofundamento nas relações com o fascismo, pois sua obra-prima secundária, Gênese e Estrutura da Sociedade, segundo Harris, “forma uma espécie de epitáfio da sua vida como fascista”42. A Kehre que o levou da obra-prima primária para a secundária não foi, neste caso, uma súbita reviravolta, mas uma virada gradual, que fielmente seguiu a transformação do regime fascista de uma simples ditadura a um totalitarismo – pelo menos em teoria, pois na prática, misericordiosamente, o domínio de Mussolini não foi tão terrorista. Muito dessa teoria deve-se ao próprio Gentile, especialmente de 1928 em diante.
Foi nesse ano que começou a Kehre de Lukács, forçada a ele por conta da precipitada guinada da União Soviética em direção ao totalitarismo sob o punho de ferro de Stálin. Foi quando ele renunciou suas Teses sobre Blum (inclinada à Frente Popular) e denunciou sua obra-prima primária, História e Consciência de Classe, acusada do pecado capital de ‘Idealismo desviacionista’. Ele fez isso em um ritual de confissão pública de ‘autocrítica’, uma abnegação abjeta que tanto ele como vários outros intelectuais comunistas tiveram de suportar como parte de um sacrificio intellectualis. E ele nunca voltou atrás, pois mesmo no fim da vida ele insistiu que sua crítica à obra História e Consciência de Classe foi sincera e permanecia mais ou menos correta; apesar de que, já nessa época, ele era menos ferrenho ao criticar esses supostos erros, uma vez que havia algo a aproveitar, pois a obra fora reconhecida no Ocidente como obra-prima, apesar do que havia dito o próprio Lukács.
A Kehre de Heidegger começou exatamente na mesma época em que ele se sentiu suficientemente independente na academia – momento esse que se deu quando ele finalmente adquiriu a cadeira de Husserl em Freiburg – para revelar abertamente suas tendências conservadoras-revolucionárias e se aproximar ainda mais de Hitlere dos nazistas. Isso culminou alguns anos mais tarde em um ato público de associação ao Partido, que se deu logo após ele ter se tornado reitor em sua universidade em maio de 1933. Na sua filosofia, ele abandonou completamente a fenomenologia de Husserl e tornou-se cada vez mais preocupado com Nietzsche, que, não se pode esquecer, era considerado pelo próprio Hitler o precursor e principal filósofo do nazismo. No começo, Heidegger não deu completamente as costas a Ser e o Tempo, mas de modo sutil e sorrateiro ele ajustou seus termos e categorias de modo a adequá-los às novas realidades do totalitarismo. As tendências individualistas e subjetivistas-existencialistas da obra foram distorcidas para uma direção coletivista e nacionalista. Como resumiu Richard Wolin, parafraseando Löwith, “por volta de 1932, a concepção anistórica e individualista do Dasein recebeu uma distorção coletivista: o “portador” existencial das categorias de autenticidade, historicidade e destino tornaram-se o ‘Povo Alemão’ e sua situação concreta, factual e histórica”43. Mais tarde, após a guerra, Heidegger tentou fazer com que essa Kehre não fosse relacionada com a política ou com o que estava havendo no mundo, mas sim relacionada ao puro movimento do pensamento, que seguiu uma lógica própria. Na introdução escrita para o livro do Padre Richardson ele afirma que “essa ideia já estava sendo trabalhada no meu pensamento dez anos antes de 1947”; esse foi o período que ele de fato mencionou isso pela primeira vez44. Ele também enfatizou que a ‘reversão’ de Ser e Tempo em Tempo e Ser já estava implicitamente inerente na sua obra-prima primária: “a questão de Ser e Tempo é decisivamente cumprida na reversão”45. Devotadamente, o discípulo Pe. Richardson aceita tudo isso pelo valor de face e escreve seu longo livro onde há uma exaustiva discussão de todas as obras de Heidegger, incluindo o notório Rektoratsrede (discurso de Reitor) – sem sequer mencionar o nazismo de Heidegger ou mesmo a conhecida hostilidade dele para com o catolicismo durante o período nazista. Tom Rockmore acredita que a declaração de Heidegger sobre sua Kehre, feita imediatamente no período pós-guerra, foi uma jogada oportunista com o propósito estratégico de tentar revogar seu banimento: “o conceito de Virada parece uma tácita, até mesmo elegante, admissão de uma anterior cumplicidade [com o nazismo], combinada com a sugestão de um novo recomeço”46. Mesmo assim, as afirmações do próprio Heidegger sobre sua Kehre devem ser tratadas com grande desconfiança.
Se há uma Virada que pode se pensar que não tem nada a ver com a política, essa Virada é a de Wittgenstein. Mas mesmo nesse caso, as conexões políticas não estão muito distantes para serem buscadas. Pode-se datar o início de sua Kehre com exatidão, pois ela começou quando ele ouviu uma palestra de Brouwer em Viena sobre o intuicionismo na matemática em 10 de março de 1928. Como Herbert Feigl, então presente, lembra mais tarde, após a palestra, que Wittgenstein e os outros do Círculo Viena foram a um café e lá eles viram um Wittgenstein que “se tornou extremamente volúvel e começou a desenhar ideias que viriam a ser o início da sua filosofia posterior”47. Mas não estava em jogo apenas a pura filosofia matemática. Um dos principais motivos por trás da palestra de Brouwer em Viena era dar um golpe numa batalha em andamento contra Hilbert e os formalistas matemáticos da Universidade de Göttingen. Ele já havia ministrado a mesma palestra anteriormente em Berlim onde foi considerada uma tentativa de um ‘golpe de matemática’. Brouwer, um holandês filogermânico, era aliado próximo de Ludwig Bieberbach nessa crescente e cada vez mais amarga campanha acadêmico-política, que adotava cada vez mais visões de extrema direita contra o que ele chamava de ‘matemática judaica’. A esta última, Brouwer se opôs com seu próprio conceito de ‘matemática ariana’ que, após a vitória de Hitler, ele pôde impor a todo establishment matemático alemão, pelo menos na medida em que ela se tornara uma organização matemática que gozava do apoio do Partido. Não se sabe até que ponto Wittgenstein estava ciente do desenrolar disso enquanto ele embarcava ao mesmo tempo na sua própria filosofia da matemática, mas ele estava certamente seguindo um curso paralelo na linha antimodernista inspirado por Brouwer e, similarmente, por Spengler, que tratou a matemática de modo relativista, como uma série de formas simbólicas culturalmente específicas igual a arte. Wittgenstein também, de modo estridente, denunciou Hilbert, Cantor e, mais tarde, Gödel por meio de pronunciamentos que poucos matemáticos e até mesmo Ray Monk, seu biógrafo, puderam levar a sério: “os comentários dele sobre a Prova de Gödel parecem, à primeira vista para alguém treinado em matemática lógica, assombrosamente primitivos”48. Aqui eu desejo meramente indicar que há mais do que podem ver os politicamente ingênuos olhos dos filósofos da matemática.
Do outro lado da grande divisão política, onde Wittgenstein ficou flagrantemente fora de seu eixo, a natureza política das influências atuando sobre ele em Cambridge, durante o período da sua Kehre, é muito mais notória e aparente. Ele próprio reconhece a influência decisiva de seu amigo em Cambridge, o economista italiano Piero Sraffra, ao declarar no prefácio da sua obra-prima secundária: “Devo a esse estímulo a maioria das ideias consequentes neste livro”; mencionando explicitamente que foram as críticas de Sraffra que o libertaram-no das teses ‘errôneas’ do Tractatus, ou seja, que o levou à Kehre49. Sraffra, como sabemos agora, era um amigo próximo de Antonio Gramsci e deve ter transmitido a Wittgenstein uma orientação marxista básica, que permaneceu implícita na sua nova abordagem ‘antropológica’ da linguagem que estava encapsulada na filosoficamente desastrosa concepção de jogos de linguagem, que deslocou a igualmente simplista teoria pictórica do significado, que pode ser encontrada no Tractatus50. Sem dúvida, muitos outros de seus amigos comunistas de Cambridge, tal como Nicholas Bakhtin (o irmão exilado do conhecido crítico literário e linguista russo) já estavam o empurrando em uma direção similar. Até que ponto a visão extremamente otimista de Wittgenstein em relação à ‘nova vida’ na União Soviética de Stálin – que ele gostava de compartilhar – também contribuiu para sua reconceituação de filosofia, permanece uma questão aberta. Mas um comentário como “Eu não estou de forma alguma certo de que eu deveria preferir uma continuação da minha obra por outras pessoas para mudar a maneira como as pessoas vivem, o que tornaria tais questões supérfluas”51 sugere, pelo menos implicitamente, dadas as circunstâncias em que foi feito, que ele talvez tivesse em mente uma mudança no modo de vida como ele acreditou que estivesse ocorrendo na União Soviética. Sua visão do comunismo como foi relatada por Keynes em carta à Maisky, previamente citada, corrobora esta afirmação.
Está claro, mesmo nesses relatos resumidos – que eu amplificarei e darei substância mais tarde – que a realidade política daquele tempo, que viu o aparente triunfo do totalitarismo, teve papel importante na Kehre filosófica de todos os mestres malignos. Essa é a principal razão pela qual todos eles foram submetidos a uma virada análoga por volta da mesma época; Todo o padrão de suas carreiras é semelhante para esses tipos de razões. Isso não significa dizer que suas filosofias são parecidas, pois esse padrão é apenas estrutural e não reflete o conteúdo ou estilo de suas obras, que à primeira vista são tão diferentes como quaisquer visões de mundo heterogêneas reunidas pela mera chance fortuita da contemporaneidade. Todavia, mesmo com essa diversidade de conteúdo e estilo, há temas e preocupações comuns que podem ser encontrados em uma análise mais aprofundada – como se verá no
decorrer desta obra.
Este livro é dividido em duas grandes partes. Na primeira parte eu concentro largamente (porém não exclusivamente) nas obras dos mestres malignos, no próprio texto. Na segunda parte eu examino mais de perto as influências que deram vida a esses textos, que por sua vez também exerceram influência sobre outros ‘contextos e pretextos’, por assim dizer, pois esses textos dependeram de textos anteriores, ou literalmente pré-textos, e eles mesmos deram origem a textos posteriores. As várias obras que receberam essas influências resultaram em confluências que derem início a escolas unificadas e movimentos inteiros na filosofia; Essas confluências expandiram em todas as direções como um campo de força intelectual. Esse é o campo que engloba a maioria do que é agora conhecido como filosofia do século XX; Um período onde a filosofia foi mais ou menos coextensiva com a era do totalitarismo, que foi da Primeira Guerra Mundial até o colapso do comunismo no início da década de 1990. Mas, diferente do totalitarismo, o campo filosófico não deixou de estar ativo e a influência dos mestres malignos e a confluência que eles produzem, estão longe do esgotamento. Todavia, os primeiros sinais de enfraquecimento já são visíveis, apesar da onda de publicações que periodicamente enche o mercado.
O estudo das influências e confluências cai sob o domínio daquilo que se pode livremente chamar de sociologia da filosofia. Este é, até agora, um campo de estudos pouco desenvolvido em que os filósofos têm sido relutantes em aderir, apesar da extensiva proliferação da aliada disciplina sociologia da ciência. No meu livro anterior, The Ends of Philosophy, eu tentei prover algumas diretrizes metodológicas elementares para essa disciplina, que eu não vou repetir aqui. Porém, eu reitero minha intelecção fundamental de que o estudo de textos e o estudo de contextos não são duas atividades completamente distintas; Isso significa que ambos não podem ser separados em duas aproximações: uma “esotérica” e outra “exotérica”[ii]. Não é simplesmente uma questão de análise lógica de um lado e causalidade social da outro, pois há a lógica social, ou o que eu chamo de sócio-lógica, que guia os desenvolvimentos intelectuais em determinadas direções, moldando o contexto em que os textos são produzidos e informando o conteúdo dos próprios textos. Textos não surgem por geração espontânea em um vácuo cultural.
O ponto de partida para cada mestre maligno, como para qualquer pensador, foi biograficamente contingente. Cada um nasceu em um país diferente, em uma situação social diferente e começou a carreira intelectual com um professor que procurou ou que ocasionalmente o encontrou. Talvez coincidentemente, é possível identificar dois desses professores em cada caso como influências mais importantes: um tende a ser um homem jovem e o outro mais velho, como se fossem respectivamente a figura do pai e do avô. Assim, Heidegger foi influenciado por Husserl e Rickert, Wittgenstein por Russell e Frege, Gentile por Croce e Jaja e Lukács por Weber e Simmel. Esses professores eram mestres da antiga geração pré-1914 de intelectuais e pensadores cujas mentes foram formadas e as obras majoritariamente compostas antes do cataclismo da Primeira Guerra Mundial e, além disso, eles eram liberais e modernistas nas suas orientações políticas e culturais. Eles foram expoentes do que fora então um novo modo de pensar e um novo estilo de fazer filosofia. Seus alunos, os mestres malignos, rebelaram-se contra seus professores no que parece ter sido uma rebelião típica de gerações contra a tradição. Mas longe de ser isso, pois o que seus professores representavam não era de forma alguma o meramente tradicional. Eles próprios foram mentes inovadoras que já haviam rompido com as tradições estabelecidas e que empreenderam um percurso radical que agora é chamado de modernismo. Por conseguinte, ao romper com seus professores, os mestres malignos estavam também indo contra as tendências modernista na filosofia e da cultura em geral onde eles mesmos foram criados.
Para chegar à frente dos seus pais e avôs, os filhos voltaram às tradições que seus próprios antecessores haviam abandonado. Assim, na filosofia, eles retornaram para o movimento Idealista que seus antepassados haviam se libertado e que haviam combatido contra durante toda a vida. Desse modo, o ímpeto revolucionário vanguardista os levou para a retaguarda em um sentido reacionário. Isso está evi dente nas obras-primas primárias e é parte do segredo do extraordinário estrondo que essas obras representaram no turbilhão cultural pós-guerra entre tantos tipos de revoluções conservadoras e radicais que logo se tornaram reacionárias.
[i] N.T.: Logo a seguir será possível entender o porquê se usou o termo “primária” para se referir às determinadas obras.
[ii] N.T.: O autor usa os termos “internalist” e “externalist”.
REDNER, Harry. Mestres Malignos. Tradução de Leonildo Trombela Júnior. 2014, pp. 22-31.
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